Tom Leão
Uma das comédias teen mais bacanas e inteligentes dos anos 90 é ‘Clueless’ (aqui, “As Patricinhas de Beverly Hills”,1994), de Amy Heckerling. A diretora se inspirou na trama do clássico livro “Emma”, de Jane Austen, o seu favorito de quando adolescente. E, espertamente acrescentou detalhes da época, baseada em pesquisas de comportamento e matérias em revistas daquele período (os roteiristas chegaram a frequentar escolas de Beverly Hills para captar o clima e as gírias e soar mais autêntico). A mistura deu super certo. E, se o filme não foi um estrondoso estouro de bilheteria, se pagou com folga, virou cult e deu origem a uma série de TV com três temporadas.
Grande parte do sucesso do filme deve-se a escolha de Alicia Silverstone (que sequer fez teste, foi escolhida direto) para fazer a über patricinha Cher Horowitz, uma moça judia rica de Beverly Hills que tem bom coração e gosta de dar uma de cupido entre os amigos. De quebra, o filme também lançou a carreira de dois outros atores que ficaram bastante populares depois: Paul Rudd (atualmente, o Homem-Formiga nos filmes da Marvel) e Brittany Murphy, que faz o patinho feio que Cher transforma numa menina mais descolada. Infelizmente, como sabemos, Murphy morreu precocemente, em 2009, num caso não muito bem explicado até hoje, envolvendo um marido controlador e o uso de drogas para emagrecer. Triste.
Outra coisa bacana no filme, é a trilha sonora, é claro, repleta de hits de pop e rock daquela fase, meados dos anos 90. Tem desde ‘Alright’, o maior sucesso da banda inglesa Supergrass, passando por ‘Just a girl’, do No Doubt, duas do Radiohead (uma versão acústica para ‘Fake plastic trees’, e ‘My iron lung’), e também Cracker, Jill Sobule, Luscious Jacksons, Cranberries, Counting Crows, General Public, Beastie Boys e tantas outras bandas que já se foram ou ficaram no tempo. Mas, há espaço para os clássicos (embora, 30 anos depois, o que era novo também já está meio que virando clássico, hoje). Como David Bowie, que aparece com ‘Fashion’ e ‘All the young dudes’ (esta, numa versão do World Party), e a música que abre o filme, uma versão para o hit new wave de Kim Wilde, ‘Kids in America’, por The Muffs, além de uma versão de ‘All by myself’, de Eric Carmen, na voz de Jewel. E, numa festa, os Mighty Mighty Bosstones aparecem tocando, ao vivo, várias músicas (na ocasião, rolava um revival de ska, por bandas da Califórnia).
Na ocasião, a explosão do grunge já havia passado. Tanto que Cher costuma fazer piadas com seu meio-irmão (Rudd) por este ainda usar camisa de flanela (e, aquelas meninas, jamais ouviriam Nirvana, Pearl Jam ou Soundgarden, bandas um bocado deprês para aquele mundo multicolorido delas). E também diz para um amigo de classe, skatista e pothead, que o skate saiu de moda (nisso, ela errou, fragorosamente).
Mas, o que move o filme são as tiradas perfeitas de Cher (numa hora lá, quando ela aparece com um vestido super curto e apertado, e o pai dela pergunta: ‘O que é isso?’ Ela responde: ‘Um vestido’. ‘Quem disse?’, retruca o pai. ‘Calvin Klein!’, ela arremata hahaha!). E as caras e a boquinha com os lábios retorcidos que Alicia Silverstone faz quando está pensando, são apaixonantes. Pena que, depois disso, a atriz não se deu muito bem na carreira. Chegou a ser a Batgirl num daqueles ‘Batman’ horríveis do Joel Schumacher (‘Batman & Robin’, 1997) e sumiu.
A diretora de ‘Clueless’, Amy Heckerling, havia debutado com um ótimo filme que cobria outra época e outros jovens do sul da Califórnia, ‘Fast Times at Ridgemont High’ (aqui, ‘Picardias estudantis’, o filme que lançou Sean Penn, como um surfista aloprado), então ela soube lidar muito bem com este novo universo adolescente, sem os fazer soar caricatos.
Na série de TV, lançada em 1996, que teve três temporadas, apenas três atores do filme original repetiram seus papéis: Stacy Dash (como Dee, a melhor amiga de Cher), Donald Faison (como Murray, o namorado de Dee) e Elisa Donovan, como Amber (a rival fashionista de Cher). Aliás, a atriz escolhida para Cher na TV, foi a lookalike Rachel Blanchard. Convenceu. Nota: fui quem escolheu o nome do filme em português, junto com a chefe de imprensa da Paramount Pictures do Brasil, que me chamou por causa do Rio Fanzine, que usava uma linguagem diferente e sintonizada com a vibe pop do filme.