Redação Culturize-se
Em um ano crucial para a democracia global, com cerca de metade da população mundial tendo a oportunidade de participar em eleições, surge uma nova preocupação: o impacto da inteligência artificial (IA) na integridade dos processos eleitorais. No entanto, análises recentes sugerem que os alarmes iniciais sobre a influência da IA nas eleições podem ter sido prematuros e exagerados.
Felix M. Simon, pesquisador da área de IA e membro do Instituto para Estudos do Jornalismo da Reuters, em artigo publicado no My Tecnology Review, destaca que, apesar das previsões alarmistas sobre deepfakes e publicidade política personalizada, as evidências até o momento não corroboram esses temores. Estudos conduzidos por instituições respeitáveis, como o Alan Turing Institute do Reino Unido, indicam que a interferência da IA foi identificada em apenas 19 das mais de 100 eleições nacionais realizadas desde 2023, sem sinais claros de mudanças significativas nos resultados eleitorais.
Mas por que as previsões iniciais parecem ter errado o alvo? Simon aponta para vários fatores:
- A dificuldade inerente à persuasão em massa, com estudos mostrando que a maioria das formas de persuasão política tem, na melhor das hipóteses, efeitos mínimos.
- O desafio de fazer conteúdo se destacar em meio ao tsunami de informações diárias, reduzindo a probabilidade de material gerado por IA atingir e influenciar um número significativo de eleitores.
- A crescente capacidade dos eleitores de reconhecer e rejeitar mensagens excessivamente personalizadas, com pesquisas recentes sugerindo que os efeitos persuasivos da IA podem estar sendo superestimados.
- A complexidade do comportamento eleitoral, que é moldado por uma série de fatores como gênero, idade, classe, valores e identidades, com a informação muitas vezes desempenhando um papel secundário.
Apesar disso, Simon ressalta que as preocupações sobre a IA e a democracia não são infundadas. O uso da tecnologia pode amplificar desigualdades sociais existentes, reduzir a diversidade de perspectivas e facilitar o assédio a políticos, especialmente mulheres. Além disso, a percepção de que a IA tem efeitos significativos pode, por si só, diminuir a confiança nos processos democráticos.
No entanto, o artigo alerta para o risco de perder de vista ameaças mais tradicionais à democracia, como a supressão de eleitores, a intimidação de funcionários públicos e candidatos, ataques a jornalistas e políticos, o enfraquecimento dos sistemas de freios e contrapesos, e várias formas de opressão estatal.
Simon argumenta que a tecnologia, incluindo a IA, muitas vezes se torna um bode expiatório conveniente, desviando a atenção de problemas fundamentais que ameaçam a vida democrática. Ele adverte que narrativas excessivamente alarmistas sobre os supostos efeitos da IA na democracia podem alimentar a desconfiança e semear confusão entre o público, potencialmente erodindo ainda mais os já baixos níveis de confiança em notícias e instituições confiáveis em muitos países.
Simon enfatiza que, embora a democracia esteja de fato sob ameaça, nossa obsessão com o suposto impacto da IA é improvável de melhorar a situação e pode até piorar as coisas ao nos distrair dos problemas mais duradouros que colocam em perigo as democracias ao redor do mundo. O desafio, portanto, é manter uma perspectiva equilibrada, abordando as preocupações legítimas sobre a IA sem perder de vista as ameaças mais amplas e persistentes à saúde de nossas instituições democráticas.