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“Pisque Duas Vezes” revê legado do #metoo sem fatalismo

Por Reinaldo Glioche

Cena do filme "Pisque Duas Vezes"

Destinado ao culto, “Pisque Duas Vezes” marca a sensacional estreia de Zoe Kravitz como cineasta. Ela também assina o roteiro em parceria com E.T Feignbaum. Trata-se de uma estreia ambiciosa, que conjuga altercação estética com comentário político; veia feminista com uma narrativa que trafega pelo thriller e pela sátira.

Na trama, um jovem titã da tecnologia se recolhe depois de ser cancelado em virtude de seu comportamento abusivo. Não sabemos o que o levou a se exilar na ilha que comprou e essa inquietação se faz companheira em um dos muitos lances sagazes da direção de Kravitz. Direção esta que chama atenção para si, da melhor maneira possível. Kravitz sublinha as escolhas narrativas que faz com a confiança de quem sabe que está fazendo as melhores escolhas.

“Pisque Duas Vezes”, literalmente traduzido de “Blink Twice”, se chamaria “Pussy Island” (Ilha da buceta, em tradução literal), mas o nome foi mudado por pressão do estúdio que entendia que o nome poderia afugentar o público. Ironicamente esse pathos adensa a reflexão que o filme provoca.

A primeira cena do filme registra um réptil olhando fixamente para a cama. É um prenúncio para a audiência da atmosfera obtusa que se seguirá.

Frida (Naomi Ackie) é obcecada por Slater King (Channing Tatum), o tal titã da tecnologia, e acredita que está vivendo o seu conto de fadas particular quando é convidada por ele para ir a sua ilha particular. Ela e sua amiga Jess (Alia Shawkat), garçonetes que trabalharam em uma festa da fundação filantrópica de King, se sentem peixinhos fora d`água, como é compreensível que se sintam, na ilha, mas o crush de Frida em King turva percepções.

Em uma narrativa que se abriga em preceitos da terapia, de Freud e Lacan às mais holísticas, é sedutor observar como Kravitz micro gerencia nosso interesse pelos personagens e pelo contexto em que estão inseridos. Mais interessante ainda, é a maneira com que ela alimenta as obsessões de Frida e torna-as nossas naquilo que se revela um jogo de pistas (falsas e reais) para o plot twist que ressignifica toda a dramaturgia de “Pisque Duas Vezes”.

O longa guarda muito de produções essencialmente distintas como “Triângulo da Tristeza”, “Mulheres Perfeitas” e “O Sacrifício”, mas relacionadas pela estranheza com que se desenvolvem. A maior referência, porém, talvez seja “Twin Peaks”, o que talvez explique a presença fugaz, mas impactante de Kyle MacLachlan.

“Pisque Duas Vezes” perde um pouco do impacto em sua cena final, que promove mais uma reviravolta, essa pouco fundamentada dramaticamente, que serve mais a um discurso de empoderamento do que à narrativa, mas ainda assim se mostra um filme profundamente criativo, ressonante e cheio de boas ideias muito bem articuladas. Do tipo de que o cinema oferta cada vez menos. Ainda mais pelas mãos de uma diretora estreante. São elementos que tornam a mera existência do filme algo a ser celebrado.

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