Em “Bad Therapy: Why the Kids Aren´t Growing Up”, Abigail Shrier defende a tese de que sociedade se psicologiza demais e fragiliza o desenvolvimento de crianças
Redação Culturize-se
Em “Bad Therapy: Why the Kids Aren’t Growing Up”, Abigail Shrier aborda um tema controverso na saúde mental infantil. Ela sugere que o atual sistema de terapia, ao superdiagnosticar e supermedicar crianças, pode estar impedindo o desenvolvimento natural da resiliência e independência delas. Shrier baseia suas conclusões em entrevistas com pais, profissionais de saúde mental e especialistas críticos ao modelo atual. Ela observa um aumento significativo nos diagnósticos de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno de ansiedade generalizada (TAG) entre crianças e adolescentes. A autora questiona se essa tendência pode estar relacionada a uma ênfase excessiva em rotular comportamentos normais da infância como patológicos.
O livro critica a tendência de se focar excessivamente em traumas e experiências negativas na infância, argumentando que isso pode reforçar a ideia de fragilidade nas crianças, ao invés de incentivá-las a lidar com as dificuldades da vida. “Bad Therapy” propõe uma abordagem terapêutica mais centrada na construção de resiliência e no incentivo à independência. Shrier defende que as crianças precisam de oportunidades para enfrentar frustrações e desafios, desenvolvendo assim a capacidade de superar obstáculos. Ela também levanta preocupações sobre o uso excessivo de medicamentos para tratar questões comportamentais infantis, questionando se os potenciais efeitos colaterais superam os benefícios.
Enquanto “Bad Therapy” apresenta argumentos importantes, ele tem sido alvo de críticas. Alguns especialistas discordam da generalização feita por Shrier sobre o campo da terapia infantil e se preocupam que o livro possa desencorajar pais de buscar ajuda profissional para seus filhos quando necessário. É importante notar que Shrier não defende o abandono completo da terapia infantil, mas sim uma abordagem mais criteriosa e equilibrada, priorizando o desenvolvimento de resiliência e independência nas crianças.
O subtítulo do livro de Shrier, “Why the Kids Aren’t Growing Up”, é um guia útil para entender seu conteúdo. O livro não trata exclusivamente de terapia no sentido tradicional, mas critica a ética terapêutica disseminada na sociedade, um conceito discutido por críticos sociais como Philip Rieff. Em “Triumph of the Therapeutic”, Rieff descreve a crescente psicologização da sociedade, onde o eu é visto tanto como poderoso para se autoconcretizar quanto vulnerável à vitimização e patologias internas, como a baixa autoestima.
Shrier preocupa-se com a disseminação dessa ética, especialmente no sistema educacional, que ela chama de “epicentro da terapia ruim”. Ela critica a aprendizagem socioemocional (SEL) por transformar professores e conselheiros em terapeutas amadores que, segundo ela, submetem as crianças a um programa eticamente comprometido e antiterapêutico de discursos de trauma e introspecção emocional. Contudo, Shrier não fornece uma análise detalhada do propósito do SEL ou dos problemas reais que aborda.
A aprendizagem socioemocional (SEL) é uma parte integral do currículo educacional em muitos países. O SEL inclui competências como autoconsciência, consciência social, tomada de decisões responsável, gerenciamento de si mesmo e habilidades de relacionamento. Essas competências são baseadas em evidências e comprovadas para promover desempenho acadêmico, relações saudáveis e bem-estar mental. O SEL é visto por muitos educadores e pais como essencial para equipar os jovens com habilidades necessárias para a autonomia em um mundo em constante mudança.
O SEL é mais do que um treinamento para sociabilidade; é um treinamento para autonomia. Com a mudança das estruturas sociais e a necessidade crescente de autossuficiência, as competências SEL ajudam os jovens a se adaptarem a um mundo complexo e a desenvolverem habilidades interpessoais e de gestão emocional. Isso inclui a capacidade de lidar com o estresse, definir metas pessoais e fazer escolhas éticas e construtivas.
Embora o SEL tenha boas intenções e responda a necessidades reais, ele não está isento de críticas. A engenharia social nas escolas pode ser contraproducente, e há preocupações de que o SEL possa impor valores e crenças sob o disfarce de competências desenvolvimentistas. A falta de transparência em relação a essa ética subjacente é problemática.
Em suma, “Bad Therapy” de Abigail Shrier e a discussão sobre SEL levantam questões cruciais sobre a maneira como abordamos a saúde mental e o desenvolvimento das crianças. Enquanto Shrier critica a supermedicação e superdiagnosticação, ela também alerta contra uma ética terapêutica que pode infantilizar e fragilizar as crianças. Por outro lado, a defesa do SEL sugere que o desenvolvimento de habilidades socioemocionais é crucial para a autonomia e resiliência das crianças em um mundo em constante mudança. A crítica ao SEL deve considerar tanto suas intenções quanto suas práticas, buscando um equilíbrio entre proteção e desenvolvimento da independência infantil.