Tom Leão
Existem discos que se tornam clássicos, históricos, mudam o rumo da corrente, mesmo que essa não tivesse sido a intenção. Um destes discos, ‘London Calling’, do grupo inglês The Clash, completará 45 anos no final de 2024, e continua sem prazo de validade. É um ‘discaço’. Aliás, os discos realmente clássicos e revolucionários, são aqueles que se tornam, como se diz em inglês, ‘timeless’, atemporais. Deixe um garoto de 15, 16 anos ouvir ‘London Calling’ hoje, e ele vai pensar se tratar da mais espetacular nova banda de rock do momento.
Originalmente um álbum duplo em vinil com 19 faixas (não tem nenhuma música sobrando ou fraca), quando fez 25 anos, ‘London Calling’ voltou numa edição especial tripla, ainda hoje disponível em relançamentos e também em streaming: o primeiro CD, traz o disco original na íntegra; o segundo, nos revela, as lendárias ‘vanilla tapes’, fitas com material de ensaio do que viria a ser o ‘London Calling’ que conhecemos (num total de 21 faixas, algumas ficaram de fora da edição final), e que tinham sido dadas como perdidas, até que foram encontradas. De quebra, um DVD nos transporta até o momento mágico da gravação do disco (através do documentário/making of ‘The Last Testament: the making of ‘London Calling’) e também resgata clipes e apresentações de TV, incluindo os para ‘London Calling’, ‘Train in Vain’ e ‘Clampdown’, além de uma filmagem caseira deles no Wessex Studios.
Em ‘London Calling’, o Clash (Joe Strummer, vocais e guitarra; Mick Jones, guitarra; Paul Simonon, baixo: e Topper Headon, bateria) manteve a urgência de seus tempos mais punks, mas deu um largo passo à frente em termos da música que se fazia na época, revelando todas as suas influências passadas e (então) presentes, com um olho no futuro, que seria curto para a banda, que acabaria dali a dois discos. Entre eles, o ambicioso álbum triplo ‘Sandinista!’, e seu mais popular, ‘Combat Rock’, 1982, que os levou a tocar em arenas e estádios, nos Estados Unidos, abrindo para The Who (!). Depois, houve um disco temporão, o fraco ‘Cut the Crap’, com Strummer acompanhado apenas por Paul Simonon (após uma briga feia com os outros dois integrantes). Mick Jones saltou desse bonde errado, indo formar o Big Audio Dynamite, ou B.A.D., junto com o DJ Don Letts.
Em ‘London Calling’, há o rock n’roll tradicional à la Elvis (aliás, o trabalho gráfico das letras coloridas da capa do disco são uma homenagem/citação ao disco de estreia do rei do rock dos anos 1950), presente em ‘Brand New Cadillac’ (regravação para obscura música de Vince Taylor & The Playboys). As referências ao reggae e ao dub jamaicano (exploradas mais a fundo em ‘Sandinista!’), como em ‘Wrong ´em Boyo’ (cover da banda The Rulers), toques jazzísticos e a postura punk/politizada em várias das canções, incluindo a faixa que originalmente fechava o álbum, a cover para ‘Revolution Rock’, de Danny Raye & The Revolutionaries. Neste momento, o Clash era a banda no topo do mundo.
(Re)ouvir ‘London Calling’ tantos anos depois só atesta que realmente trata-se de um disco excepcional. A produção de Guy Stevens (dos discos do Mott The Hoople) é soberba. E o que era bom ficou ainda melhor realçado pelas faixas remasterizadas para o CD. Pena que, até hoje, as ditas rádios rock do Brasil só toquem a faixa ‘Train in Vain’, que, aliás, apesar de muito boa, foi enfiada às pressas no final do disco para ser o single. Tanto, que nas primeiras prensagens do disco, ela não consta nem na capa, nem no selo interno. A princípio, teve um adesivo colado para identifica-la e, só nos reprints, passou a constar na tracklist.
De quebra, a magnífica foto de capa de Pennie Smith – que pega o baixista Paul Simonon num acesso de fúria com seu instrumento, perto do final de um show –, foi eleita uma das fotos mais importantes do rock. Assim como o disco, também o é.