Edson Aran
Meu amigo Valdir estava preocupado com a “saidinha”.
“Não é possível! O Congresso tem que resolver isso. A ‘saidinha’ é um direito humano inalienável! Inalienável, tá ligado?”, ele esbravejava na mesa do Jerimundo, bar que fica entre a rua Girassol e a Borboleta, ali na Vila Madalena.
O Osvaldo, que bebia com a gente, era contra. Visceralmente contra. “Isso é um absurdo, Valdir! Você quer que vagabundo fique andando solto pela rua?!”
“Vagabundo, não! Vagabundo, não! Isso é preconceito seu. A ‘saidinha’ é importante por causa da ressocialização”, explicou o Valdir. “Sem a ‘saidinha’, a tensão aumenta e acaba explodindo. É uma questão humanitária”.
“Humanitária?! Humanitária?!”, respondeu o Osvaldo, subindo o tom e derrubando chope na mesa. “Você não pensa no ser humano que está aqui fora, né, Valdir?!”
Aproveitei que o garçom estava perto, pedi mais uma rodada e tentei acalmar os ânimos:
“Olha, gente, eu li várias opiniões sobre isso. A ‘saidinha’ é só para quem apresenta bom comportamento e, de repente…”
“De repente, o cacete!”, interrompeu o Osvaldo. “Não se pode premiar quem está preso só porque o cara se comporta bem. Ter bom comportamento é o mínimo que se espera de alguém que é uma ameaça à sociedade…”
Foi a vez do Valdir subir o tom.
“Opa, ameaça não! Ameaça não! Isso é uma visão cheia de preconceito burguês, Osvaldo! Sem ‘saidinha’ e sem visita íntima, a gente explode. Eu não aguento mais! É impossível viver assim! Impossível!”
“Peraí, do que é que você está falando?”, perguntei, dando um gole no chope.
“Da ‘saidinha’, ué, do que mais? Todo cara casado precisa ter direito a uma ‘saidinha’ por mês! No mínimo! Ninguém consegue suportar o casamento sem visita íntima a uma pessoa diferente, ora…”
O Osvaldo estava desnorteado e eu também. Nisso o telefone do Valdir tocou. Era a Cidinha, mulher dele.
“Oi, amorzinho”, ele atendeu. “Não, não. Só parei pra tomar um chope com os caras. É só um chope e eu já estou indo embora. Prometo. Juro por deus. Não, Cidinha, é só o Osvaldo e o Aran, não tem mulher nenhuma aqui. Pode confiar, amorzinho, pode confiar. Tá bom, tá bom. Só vou terminar o chope e vou embora, tá? Te amo, viu? Te amo muito. Um beijo!”
Valdir desligou o telefone e até o Osvaldo foi obrigado a concordar com a tese dele.
“Tá vendo como é? Ninguém aguenta! Não sei se vai ser o presidente, o congresso ou o supremo, mas se não liberar a ‘saidinha’, eu explodo, tá ligado?! Eu explodo!”