Redação Culturize-se
O livro “O Avesso da Pele”, do escritor Jeferson Tenório, tornou-se o epicentro de uma controvérsia nacional após ser alvo de censura em diversas escolas e bibliotecas públicas de estados como Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul. Vencedor do Prêmio Jabuti em 2021 e inserido no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o romance, ambientado em Porto Alegre nos anos 1980, aborda questões como racismo, violência policial e sexualidade, despertando debates acalorados sobre liberdade de expressão e o papel da educação no Brasil contemporâneo.
A polêmica começou quando a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, em Santa Cruz do Sul (RS), Janaina Venzon, pediu ao Ministério da Educação (MEC) o recolhimento dos exemplares do livro distribuídos aos alunos do ensino médio. Venzon alegou que a obra continha “vocabulário de baixo nível” e “cenas de sexo impróprias para menores”, o que desencadeou uma onda de censura em outros estados.
Essa ação de censura foi duramente criticada por organizações como o Instituto Vladimir Herzog, que repudiou veementemente a medida, considerando-a uma tentativa flagrante de apagamento da história e da realidade vivida por populações que sofrem com o racismo e a violência policial. Além disso, destacou-se a importância do acesso irrestrito dos estudantes a obras que contribuam para uma formação crítica e consciente.
Autoridades como Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, e Margareth Menezes, ministra da Cultura, manifestaram repúdio à censura, considerando-a um ato de ignorância e preconceito. No entanto, Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná optaram pelo recolhimento dos exemplares, alegando inadequação do conteúdo para menores de idade.
Essa reação conservadora gerou debates acalorados sobre o papel da escola e da literatura na formação dos jovens. Enquanto defensores do livro argumentam que obras como “O Avesso da Pele” são essenciais para promover reflexões sobre temas sensíveis como racismo e sexualidade, opositores consideram que a obra apresenta tais temas de maneira inadequada para o ambiente escolar.
O escritor Jeferson Tenório defende sua obra, destacando que ela não é sobre sexo, mas sim uma reflexão sobre o letramento racial de jovens negros. Editoras como a Todavia e a Companhia das Letras lançaram manifestos em defesa do livro e contra a censura, destacando a importância da liberdade de expressão e do acesso à educação plural e inclusiva. A polêmica tem sido positiva, como habitual, para as vendas. Na última semana a procura pelo livro nas plataformas digitais aumentou em 400%.
Diante desse cenário, a controvérsia em torno de “O Avesso da Pele” levanta questões fundamentais sobre democracia, liberdade de expressão e às pertinências à educação no Brasil contemporâneo. Enquanto alguns defendem o direito à diversidade de ideias e à livre circulação de obras literárias, outros questionam os limites da exposição de temas considerados sensíveis para o público jovem.
No âmago do debate, no entanto, jaz mais a polarização política do que as instâncias da liberdade de expressão. Tanto o é que o livro segue circulando e vendendo bem. Não parece válido interditar um debate sob a pecha de censura. É legítimo ponderar sobre se determinados temas devem ou não ser expostos a menores de idade em um ambiente escolar.
Independentemente das divergências, a promoção de uma educação crítica e consciente, capaz de estimular o debate e a reflexão sobre questões relevantes para a sociedade brasileira precisa ser um denominador comum.