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A questão do filme para cinema

Reinaldo Glioche

Não é de hoje que os modelos de negócio cinema e streaming colidem, mas há uma fragmentação ainda maior no cenário pós-pandemia com executivos tentando dimensionar as melhores apostas para a indústria do audiovisual em meio a uma fricção intensa no entretenimento. Nessa panela de pressão, muitos artistas se ressentem de seus filmes serem lançados diretamente no streaming. Outros, principalmente egressos de pequenos festivais mundo afora, ficam feliz pela oportunidade de suas obras ficarem disponíveis em plataformas estabelecidas e acessíveis em todo o mundo.

Cena do filme "Matador de Aluguel"
Fotos: Divulgação

O streaming possibilitou, ainda, que cineastas como Martin Scorsese e filmes independentes encontrassem morada em um momento, já bastante perene, de aversão a risco entre os grandes estúdios.

Nesse contexto tão multifacetado uma discussão antiga, do que é filme para cinema e do que é filme para TV, se reconfigurou. Hoje, com a Netflix lançando apenas filmes com ambição de prêmios no cinema, customizou-se que há campo para produzir filmes cujo destino é o streaming. Outras plataformas praticam a mesma política. A Apple, por exemplo, investiu na parceria com estúdios como Paramount e Sony para lançar os ambiciosos “Assassinos da Lua das Flores” e “Napoleão” nos cinemas. Ambos os filmes chegaram ao Oscar. A mesma plataforma, porém, lançou “Flora & Filho”, que comprou em Sundance, e “Plano em Família”, com Mark Wahlberg, diretamente no streaming em 2023.

A Amazon, que comprou o estúdio MGM, também seleciona o que vai para o cinema, como “Creed III” e “Air”, e o que vai direto para o streaming, como os recentes “Intruso”, com Paul Mescal e Saoirse Ronan, e “O Jogo do Disfarce”, com Kaley Cuoco e David Oyelowo. Mesmo o indicado ao Oscar “American Fiction”, lançado nos cinemas nos EUA, será disponibilizado diretamente na plataforma no Brasil e em outros territórios em fevereiro.

É bastante óbvio que os executivos responsáveis pelos lançamentos dessas plataformas, e aí escora-se tanto no marketing quanto nos temidos algoritmos, tentam antecipar o que pode render mais no cinema e o que faz mais sentido ir direto para o streaming. Não é uma ciência exata e está sujeita a animosidades de lado a lado.

Dois casos recentes expõem a complexidade da questão. O filme “Matador de Aluguel”, refilmagem do cult B de 1989 estrelado por Patrick Swayze, já estava em produção quando a MGM foi adquirida pela Amazon. O diretor Doug Liman (“A Identidade Bourne” e “Sr. & Sra. Smith”) anunciou que vai sabotar o lançamento do filme no festival SXSW em protesto à decisão da Amazon de lança-lo diretamente no streaming. O diretor e o astro Jake Gyllenhaal chegaram a se reunir com Jeff Bezos na esperança de reverter a decisão dos executivos da empresa. Não obtiveram êxito.

Em um artigo publicado no site de entretenimento Deadline, Liman lista as razões pelas quais aquele que ele acredita ser seu melhor filme deveria ser lançado no cinema – e ele apresenta bons argumentos – e externa uma preocupação com o aumento de filmes lançados diretamente no streaming. Para ele, a experiência do cinema, a própria indústria, o fato de termos estrelas de cinema, tudo isso está em risco.

No caminho oposto de “Matador de Aluguel”, que chega ao Prime Video globalmente em 21 de março, está “Monkey Man”, um thriller de ação rotulado como “John Wick em Mumbai”, que marca a estreia de Dev Patel na direção. O longa teve seus direitos vendidos em 2021, antes mesmo de ser finalizado, para a Netflix por US$ 30 milhões. Mas o cineasta Jordan Peele teve a chance de ver o filme e resolveu atuar para que tivesse um lançamento nos cinemas. A produção será distribuída, pelo menos nos EUA, pela Universal, com quem Peele tem uma relação e já lançou seus três filmes como cineasta, com lançamento previsto para abril. Os pormenores do acordo entre Netflix e Universal não foram, ainda, divulgados.

“Matador de Aluguel” e “Monkey Man” estão em dois lados opostos do dilema que melhor caracteriza o cinema no primeiro quarto do século XXI e revelam, mais do que o confronto entre a subjetividade do olhar do artista e a matemática do algoritmo, a complexidade de uma questão que vai muito além do que é certo ou errado em matéria de produção, distribuição e acesso às obras audiovisuais.

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