Reinaldo Glioche
Ele andou falando em se aposentar recentemente e é fato que anda trabalhando muito para os padrões de Hollywood, somente em 2023 foram sete filmes lançados – seis se contarmos que em “The Flash” há apenas uma ponta (o tal do cameo). Nicolas Cage ostenta uma jornada errante em Hollywood. Membro da prestigiada família Coppola, optou por perseguir a carreira no cinema americano sem o peso do sobrenome famoso e se deu bem, mas também se envolveu com dívidas e viu seu patrimônio encolher.
No início da década de 2010 enfileirou produções de gosto duvidoso para readquirir solvência e acabou criando um novo estigma para sua carreira – a dos filmes de Nicolas Cage para VOD.
A versatilidade de Cage é lendária. Oscarizado em 1996 pelo filme “Despedida em Las Vegas”, o ator trabalhou com alguns dos principais cineastas em atividade. De Scorsese a De Palma e transitou com desenvoltura por diferentes gêneros e orçamentos. Aferiu graciosidade a bombas e revestiu de carisma filmes que jamais ganhariam notoriedade sem ele. Deu envergadura para produções independentes pulsantes como “Joe” (2013), “Mandy” (2017) e “Vício Frenético” (2009) e soube rir de si mesmo em tantas outras empreitadas como naquela em que vive a si mesmo, “O Peso do Talento” (2022).
Mas voltando a 2023, Nicolas Cage esteve em todo lugar. Sua performance em “O Homem dos Sonhos”, que no Brasil estreia e março de 2024, foi super elogiada pela crítica e está indicada ao Globo de Ouro. O mote do filme, de certa forma, é uma epítome do que este artigo quer vocalizar. Na trama, as pessoas começam a sonhar com o personagem de Cage, que durante a promoção do longa disse que se aproximou do projeto pela reflexão que propõe dessa ‘cultura de memes’, já que o próprio ator diz que “não foi fazer cinema para virar meme”.
Mas o caráter indissociável de Cage e o imaginário cultural contemporâneo também ganharam forma em 2023 com o Superman que nunca existiu que ele viveria sob a batuta de Tim Burton nos anos 90. O personagem aparece de relance em “The Flash”, numa construção de multiverso muito inspirada e que, novamente, demonstra o apelo de Nicolas Cage na cultura cinematográfica.
O ator dividiu a cena com Joel Kinnaman em “Sympathy for the Devil”, um road movie tenso em que ele faz um personagem que ganha densidade e propulsão porque é um personagem de Nicolas Cage. Mais do que um arquétipo, como figuras como Ben Stiller e Adam Sandler construíram para si em seus filmes, Nicolas Cage virou uma instituição, com uma aura que transforma e não reproduz personagens.
Mas não foram só acertos. Cage errou também, mas com a finesse de sempre. O western contemplativo “Jornada para o Inferno” e o filme de ação “Plano de Aposentadoria” estão aí para provar que Cage sabe que filme ruim também tem punch.
Abraçar o brega e o deslocado são coisas que Cage faz muito bem. Por isso a ideia de viver um Drácula em uma relação abusiva com seu assistente é fascinante. O ator é um deleite em “Ranfield – Dando o Sangue pelo Chefe”, uma das melhores comédias do ano.
A somatória de quantidade, constância, qualidade e desafios a sua persona e seu talento resulta em algo realmente significativo e digno desta laudatória. Nicolas Cage é o ator do ano e tem várias boas performances para justificar essa escolha.