Tom Leão
A Islândia (que, pelo que temos lido nas notícias, está com várias erupções e tremores, já que é uma ilha vulcânica) é um país fascinante. Aquele pedaço de terra, no meio do Mar da Noruega, próximo a Groenlândia, descoberto por vikings (que, acharam-na tão fria, que a batizaram de ‘terra do gelo’), também é solo de artistas musicais não convencionais. Foi de lá, por exemplo, que veio a banda Sugarcubes, no fim dos anos 1980. Banda esta, que nos revelou Björk, aquela ‘duenda’, parente do Yoda, com uma voz extraordinária. Foi de lá, também, que vieram as bandas Gus Gus e Sigur Rós, que fizeram relativo sucesso nos 90s. Sigur Rós, continua na ativa, chegou a vir cá, duas vezes, e lançou um novo disco recentemente, ‘ÁTTA’.
Mas, nos últimos anos, a Islândia chamou a atenção mesmo, por dois músicos locais, que se dedicaram a arte de criar trilhas sonoras: Jóhann Jóhannsson e Hildur Gudnadóttir. Esta última, ganhou o Oscar de ‘melhor trilha original’ (score) pelo seu belo (e dark) trabalho para a de “Joker” (“Coringa”), categoria da qual era a franco favorita. Já Jóhannsson, infelizmente, nos deixou, subitamente, em fevereiro de 2018, aos 48 anos, por conta de uma overdose de cocaína. Triste.
Começando pelo defunto. Jóhanssonn, me chamou a atenção pela sombria e climática trilha para “Sicário” (2015). O tenso filme do diretor canadense Dennis Villeneuve (que terá uma nova sequência, em 2024), ficava ainda mais barra pesada com as texturas da trilha do islandês. Você saia da sala de exibição um bocado atordoado, como se tivesse levado um soco no estômago. Sem a música, o impacto seria menor. Não à toa, foi indicado ao Oscar por este trabalho. No ano anterior, JJ havia ganhado sua primeira indicação ao Oscar pela trilha para “A Teoria de Tudo” (2014), aquela cinebio do Stephen Hawking, pela qual faturou, merecidamente, o Globo de Ouro.
Não tivesse partido tão precocemente, Jóhann (que misturava orquestração tradicional com elementos eletrônicos minimalistas) certamente haveria de faturar um careca dourado no decorrer da carreira. Vide o maravilhoso trabalho que fez para outro filme do Villeneuve, o sci-fi “A Chegada” (“Arrival”, 2016). Pena que não deu tempo de ele criar a trilha para a sequência que Villeneuve fez para “Blade Runner” (chegou a trabalhar nos esboços), “Blade Runner 2049”. Imagino o que ele faria, provavelmente, nas adaptações que o canadense fez para “Duna”. Poderia ser o seu ‘filme do Oscar’?
Com a talentosa violoncelista Hildur G, JJ chegou a dividir um trabalho (e um prêmio) pela trilha de “Maria Madalena” (2018), dele, com ela colaborando na instrumentação. Antes de partir, JJ nos deixou o score do cult “Mandy: Sede de Vingança” (2018), estrelado por Nicolas Cage. Vale à pena ouvir.
Já Gudnadóttir, uma celista clássica de mancheia, antes de se aventurar pelas trilhas para cinema, já dividiu palcos e estúdios de gravação com várias bandas alternativas. Como a eletrônica finlandesa Pan Sonic e a industrial inglesa Throbbing Gristle, além de ter feito turnê com a experimental americana Animal Collective. É conhecida da galera indie.
Depois de percorrer, solo, o circuito da música clássica da Europa, Hildur (que, nesse meio tempo, compôs as trilhas/score para os filmes ‘Tár’, ‘Entre Mulheres’ e ‘A noite das Bruxas’, e para títulos dos games ‘Battlefield 2042’) foi levada para o cinema pelas mãos de Jóhanssonn, que, além da colaboração em várias de suas trilhas, abriu caminho para que ela fizesse a da sequência “Sicário: Dia do Soldado” (2018). Os grandes prêmios, começaram a vir com a trilha para a minissérie de TV “Chernobyl”, que lhe deu Primetime Emmy e Grammy. Finalmente, o grande trunfo, com o seu trabalho em “Coringa” (que arrebatou Globo de Ouro e Bafta, entre outros prêmios), na qual o cello tem lugar de destaque. E, nos leva para perto da psique do louco personagem. É sombria. E fria. Como sua Iceland natal. Que, caso venha a ser coberta pela lava, pelo menos, terá uma boa trilha sonora.