Edson Aran
Todo mundo reclama das sequências. Mais um “Vingadores”? Outro “Matrix”? Não aguento mais “Alien”! Se vier outro “Velozes e Furiosos” me jogo debaixo de um carro!
O esnobe, contudo, lembra que “Odisséia” é uma sequência de “Ilíada” e que a primeira história dos “Vingadores”, escrita por Apolônio de Rodes, se chamava “Argonautas” e juntava todos os super-heróis da época: Jasão, Hércules, Orfeu e Teseu.
Uma sequência pode ser malandra como o “Quincas Borba” do Machado, que conta a história de Rubião, aquela besta. O fundador do Humanitismo só aparece no comecinho da história e morre rapidinho, igual o Sylvester Stallone em “Os Mercenários 4”.
Mas a sequência também pode aprofundar conflitos e definir melhor personagens já conhecidos, como “O Restaurante no fim do universo”, do Douglas Adams. A segunda parte de “O Poderoso Chefão” também é considerada melhor que a primeira. Há, contudo, uma enorme má vontade com o terceiro filme, especialmente por causa da Mary Corleone de Sofia Coppola. Pura implicância. A moça é uma nepobaby talentosa, ao contrário da maioria dos filhinhos-de-papai que ficam só no come-e-dorme.
Muitas sequências são claramente superiores à obra original. Vamos lá: “Mad Max 2” (1981) é melhor que o filme de 1979. “O Bom, o Mau e o Feio” (1966) dá de dez em “Por um punhado de dólares” (1964) e “Por alguns dólares a mais” (1965). “Toy Story 2” (1999) é que fez a Pixar ser levada a sério e não “Toy Story” (1995). “O Império Contra-Ataca” (1980) é que coloca “Star Wars” de pé. E Gotham City inteira sabe que o Batman manda melhor quando dá a segunda, seja na trilogia do Christopher Nolan ou na biologia (BIOLOGIA?!) do Tim Burton.
Stephen Dedalus, aquele jesuíta desprezível, aparece em “Retrato do Artista quando jovem” (1914), mas ganha status mesmo é em “Ulisses” (1922). Mas isso não é exatamente uma sequência. Ou é? Há personagens que percorrem várias obras que se sucedem de forma independente umas das outras. Tipo os heróis da literatura policial: Mandrake, Sherlock Holmes, Sam Spade, Hercule Poirot, Nero Wolfe, Miss Marple, Brigitte Montford, K. O. Durban, James Bond e George Smiley.
Mas se deixarmos os casos de polícia de lado, vale lembrar que até o Shakespeare, que é “o” Shakespeare, usa Sir John Falstaff em “Henrique IV”, “Henrique V” e em “As Alegres comadres de Windsor”. Só que isso é um guia esnobe de sequências e o texto está se desviando para personagens recorrentes, que é outra viagem.
Então vamos falar de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, a primeira obra literária a ganhar uma continuação não-autorizada. Publicado em 1605, o livro do Cavaleiro da Triste Figura fez tanto sucesso que, em 1614, saiu uma sequência pirata atribuída a um certo Alonso Avellaneda. É um pseudônimo. Os literatos costumam apontar o dedo acusador para o poeta e dramaturgo Lope de Vega. Por causa do “Falso Quixote”, Cervantes se viu forçado a voltar ao personagem e produzir uma continuação oficial, editada em 1615. Só que muita gente boa acha a obra de Avellaneda mais divertida que a original, como se fosse “A Ira de Khan” depois do melancólico “Jornada nas Estrelas – O Filme”.
Cervantes, é claro, não concordava.