Livro de contos de Mariana Enriquez, “Os Perigos de Fumar na Cama”, traz narradoras femininas em histórias assombrosas de realismo fantástico com pegada pop e urbana
Aline Viana
Leitor que gosta de literatura de horror que se preze precisa conhecer a argentina Mariana Enriquez. Famosa no Brasil desde a publicação de “As Coisas que Perdemos no Fogo” (editora Intrínseca) em 2017, agora o leitor brasileiro poderá conferir “Os Perigos de Fumar na Cama” (144 páginas, editora Intrínseca).
Trata-se de uma das primeiras obras da autora e traz contos de horror de temática urbana, ou seja, ainda que haja espaço para o sobrenatural é a ação das pessoas e seu mundo particular que são os palcos das histórias.
A obra poderia ser classificada como um compilado latino-americano da versão real e sem filtros das nossas “lendas urbanas”. E essa apropriação passa pelo filtro da violência latino-americana, muito marcada na Argentina pelo legado da ditadura.
É interessante notar que os hermanos não se cansam de investigar a herança sócio emocional deixada por aquele período histórico (para ficar em apenas um exemplo, podemos citar o filme “Argentina, 1985”, indicado ao Oscar 2023 de filme estrangeiro), enquanto do lado de cá da fronteira, as discussões, sejam nas artes ou na política, tendem a ser abafadas ou, francamente, desvirtuadas.
Em “Garotos Perdidos” e “Quando Falávamos Com os Mortos” são as crianças desaparecidas, na linha de séries dos anos 2000 como “The returned” e “Les revenants”, que retornam e com isso instauram o caos.
Já no segundo conto é por meio de adolescentes envolvidas com um tabuleiro Ouija que o mistério se apresenta – é perceptível a influência de Stephen King nessa narrativa desde a escolha pelo grupo de jovens, pelo tom mais leve e mais pop, e pelo mistério tão presente quanto sutil.
“Certa tarde, quando íamos para a aula de educação física, ela contou que havia derramado sangue da menstruação no café de Diego”.
Em “A Virgem da Pedreira”, um grupo de amigas formadas por adolescentes e uma garota no início da vida adulta se desestabiliza quando um rapaz se junta à turma e se apaixona pela moça mais velha. O enredo conta até com a participação de uma estátua de pomba-gira.
O conto que dá título à obra narra a história de uma mulher que descobre que uma senhora acamada morreu ao incendiar o quarto por ter dormido com o cigarro aceso nas mãos. Ela passa então a questionar-se como teriam sido os pensamentos da vítima e como eles ecoam na vida que ela, vizinha, leva.
Para Mariana Enriquez, os mortos estão quase tão assustados quanto os vivos. E, quando fazem estragos, quase sempre são instigados pelos primeiros.
É o tipo de obra para ler degustando conto a conto. Porém, vale observar que certos textos têm uma pegada mais explícita do horror, portanto, pessoas sensíveis devem evitar sua leitura durante as refeições.
Ficha técnica:
“Os Perigos de Fumar na Cama”
Mariana Enriquez, tradução de Elisa Mendes
Editora Intrínseca
Páginas 144