Search
Close this search box.

A ascendente liga árabe e o plano de domínio do futebol mundial

Liga árabe chama atenção pela opulência dos gastos e pela incrível capacidade de atração de astros do futebol, como Neymar e Cristiano Ronaldo, mas o hype serve a outros propósitos

Redação Culturize-se

A audiência expressiva na Band no último sábado, na partida entre Al Hilal e Al Feiha, com picos de 3.9 na Grande São Paulo, dá pistas de que o interesse pelo futebol da Arábia Saudita disparou depois das movimentações no mercado que levaram muitos craques do futebol europeu para o campeonato emergente na Arábia. O jogo marcou a apresentação de Neymar no Al Hilal, clube comandado pelo português Jorge Jesus.

Após sua chegada a Riad, a capital da Arábia Saudita, Neymar, sob seu contrato de dois anos e US$ 327 milhões com o Al Hilal, ganha acesso a uma mansão de luxo totalmente equipada e uma impressionante frota de jatos particulares, helicópteros e supercarros. Este contrato sem precedentes destaca as disparidades entre a Saudi Pro League (SPL) e as ligas europeias no contexto atual. Fundos de investimentos ligados a Arábia Saudita já controlam, é bom lembrar, alguns dos principais clubes europeus, como Manchester City e Newcastle.

Neymar
Neymar apresentado à torcida do Al-Hilal | Foto: Divulgação

A ambiciosa transformação da Arábia Saudita em seu cenário de futebol surge de preocupações com sua excessiva dependência dos combustíveis fósseis, que constituem uma parte substancial de seu PIB e ganhos com exportações. O fundo soberano do país, avaliado em US$ 650 bilhões, assumiu o controle de quatro clubes da SPL em junho de 2023: Al Nassr, Al-Ahli, Al-Ittihad e Al-Hilal. Essa ação concedeu à nação uma participação de 75% em cada clube, dotando-os de recursos financeiros aparentemente inexauríveis para assegurar alguns dos maiores talentos do futebol mundial.

Consequentemente, jogadores renomados como Cristiano Ronaldo, Karim Benzema, N’Golo Kanté, Malcom, Sadio Mané e Riyad Mahrez assinaram contratos lucrativos para jogar na Arábia Saudita, gerando salários anuais que variam de US$ 20 milhões a US$ 200 milhões. Mesmo Lionel Messi e Kylian Mbappé receberam ofertas impressionantes, mas optaram por não aderir à moda boleira.

Embora os objetivos ambiciosos da Arábia Saudita incluam a contratação de 50 jogadores das principais ligas europeias (eles já garantiram 30), o aumento da receita anual de US$ 120 milhões para US$ 480 milhões até 2030 e a conquista do status de Top 10 da liga no mesmo ano, seu objetivo maior envolve usar sua liga doméstica como trampolim para sediar eventos esportivos de grande porte. A Arábia Saudita assegurou o direito de sediar a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, a Copa Asiática em 2027 e espera-se que apresente uma candidatura para sediar a Copa do Mundo de 2030.

Não é a bolha chinesa

Críticos questionam a sustentabilidade de tais investimentos, fazendo comparações com a breve extravagância da Superliga Chinesa em taxas de transferência exorbitantes e salários insanos para alguns dos principais jogadores do mundo (Oscar e Hulk entre eles), antes de enfrentar desafios durante a pandemia. No entanto, a abordagem da Arábia Saudita diverge em vários aspectos e seus investimentos, como já mencionado, são respaldados por um fundo soberano de US$ 650 bilhões, garantindo estabilidade financeira mesmo em condições adversas.

Além disso, o impacto no futebol global é mais complexo do que parece à primeira vista. Embora persistam preocupações com o “esporte-lavagem”, a contribuição financeira da Arábia Saudita, de fato, tem proporcionado alívio a muitos clubes de ponta que enfrentam dificuldades financeiras devido ao aumento dos salários dos jogadores nas principais ligas europeias.

Cristiano Ronaldo na liga saudita
Foto: Reuters

O pulo do gato da China foi criado em 2014 e surgiu como parte de um projeto de estado de maior envergadura, o futebol estava inserido em um plano ambicioso e de longo prazo, alinhado com a visão saudita para 2030. O “Plano de Desenvolvimento do Futebol a Médio e Longo Prazo (2016-2050)” não se limitava apenas a investimentos em clubes e na liga, mas também englobava um incentivo abrangente à prática esportiva educativa e profissional, à indústria esportiva em geral e, notavelmente, ao chamado “soft power” chinês.

A parte mais visível desse plano, sem dúvida, foi o apoio financeiro estatal fornecido a grupos econômicos privados locais para adquirirem clubes europeus e fortalecerem os clubes locais com a estratégia de atrair estrelas globais com altos salários. Nesse sentido, os dois projetos podem parecer semelhantes, mas a especificidade do “socialismo de mercado chinês” explica o aparente “fracasso” na China.

Enquanto muitos clubes foram adquiridos com base nos interesses estratégicos da China no mercado europeu, os gastos excessivos observados nos clubes locais levaram a uma revisão dessa parte específica da ideia. O governo chinês se pronunciou publicamente sobre o desperdício de dinheiro que pouco contribuía para os objetivos do plano e ordenou uma mudança.

A descentralização da gestão dos clubes resultou em ofertas exorbitantes para jogadores, uma dinâmica que não estava alinhada com o objetivo central. De acordo com o peculiar sistema de economia local, onde o capital privado é apoiado pelo estado, mas deve sempre atender aos objetivos estratégicos nacionais, o projeto chinês de mega-investimento foi basicamente descontinuado nesse aspecto. O que para muitos soou como uma “crise financeira” do futebol chinês, na realidade foi a percepção de que essa parte do plano não fazia sentido.

Esse problema não deve ocorrer na Arábia Saudita. A centralização das decisões e da gestão dos clubes está completamente sob o controle do fundo soberano controlado pela família real. O objetivo é muito menos complexo, e seu prazo é, pelo menos, até 2030.

A liga saudita de futebol

Embora os planos sejam anunciados como ambiciosas investidas de crescimento financeiro do futebol local, a capacidade de arrecadação dos clubes não será o fator decisivo para a continuidade ou interrupção desse projeto saudita. Na verdade, caso siga a lógica do futebol ao longo de toda sua história, e desde que resulte em ganhos políticos satisfatórios, qualquer prejuízo financeiro com o futebol terá sido compensador para as projeções geopolíticas da Arábia Saudita.

Outro aspecto fundamental a se considerar é que a SPL não representa uma ameaça direta às principais ligas europeias. O futebol aqui serve a dois propósitos bem específicos: melhorar a imagem da Arábia Saudita, atrair eventos de prestígio e posicionar o país como um destino turístico semelhante a Dubai.

Deixe um comentário

Posts Recentes