Tom Leão
Uma coisa que fica clara, quando assistimos a “A Era de Ouro” (‘Spinning Gold’), em cartaz nos cinemas brasileiros, é que, no show business dos EUA (sobretudo), o que importa mesmo é o dinheiro. Mas, para que isso aconteça, artistas floresçam (e o público compre a ideia), é preciso um bom produtor, pessoa visionária, por trás. Sem isso, nem a arte, nem o dinheiro, acontecem. Mas, acima de tudo, sentir o pulso da época.
E Neil Bogart, o judeu que nasceu pobre, no Brooklyn (NYC), desde menino, sabia disso: tinha de lutar e apostar para vencer. E, foi assim, em todos os seus empreendimentos, desde que começou como cantor (imitando Elvis) e trabalhos diversos no ramo musical. Até que assumiu uma pequena gravadora independente na Califórnia, a Buddah Records, que lançou nomes importantes da música negra, americana e mundial, como Isley Brothers e Gladys Knight (e deixou a Motown ‘mordida’) e criou a sua própria empresa, a Casablanca Records, que, até hoje, é a gravadora independente mais bem sucedida da indústria da música, em número de discos vendidos.
Contudo, demorou até que a sorte virasse pro lado de Neil. Ele tinha a visão, tinha os artistas, tinha o dinheiro (que pegava por empréstimo, chegou a acumular $8 milhões de dólares em dívidas, isso nos anos 1970!), mas não obtinha o sucesso, porque estava um minuto à frente. Suas apostas, tão diferentes, musicalmente, como a cantora (La)Donna Summer e a banda de rock Kiss, não deram em nada, quando lançados.
Nenhuma rádio tocou (mesmo com Bogart pagando jabá), ninguém quis ouvir. Mas, visionário e apostador, Bogart sacou que o Kiss era muito popular entre a molecada (por conta de seu visual de personagem de quadrinhos) e criou o KISS Army, que, para os fãs se associarem, era preciso comprar um disco para ter direito a carteirinha, gibis e álbuns de figurinhas. Ainda não foi o bastante. Então, indo a shows, ele sacou que o Kiss era melhor ao vivo do que em disco. E, depois de três álbuns de estúdio que venderam pouco, lançou o duplo ao vivo ‘Kiss Alive’ (1975), que foi o primeiro disco do gênero a vender milhões. E, de quebra, era também uma espécie de best of da banda.
Com Donna Summer, foi mais inusitado. Seu primeiro álbum, que trazia o futuro mega hit ‘Love to love you, baby’, não tocou. Contudo, numa festinha regada a sexo e drogas, ele sacou que ficavam repetindo-a, porque o clima da música ajudava no clima da orgia, mas ela durava apenas três minutos. Daí, Bogart teve a ideia de alongar a faixa (contrariando o produtor da track, o ítalo-germano Giorgio Moroder) e transformou a lasciva canção num dos primeiros (e maiores) sucessos da emergente disco music. Com 16 minutos de duração (!) e com Donna simulando orgasmos, foi a primeira música super longa a tocar em rádio. E abriu caminho para a disco music no mainstream.
Escorado nestes dois, ele fez da Casablanca (nome baseado no filme com Humphrey Bogart, seu ídolo) um sucesso. E, assim, pagou todas as dívidas, teve lucro e, finalmente, ‘chegou lá’. Infelizmente, teve vida curta, levado pelo câncer, aos 39 anos, em 1982.
Para seu legado não passar em branco, seu filho mais velho, Timothy Scott Bogart, produziu, roteirizou e dirigiu este filme, que, se como cinema, é um bocado óbvio e sem ritmo — e focado mais no pai do que nos artistas –, historicamente, cumpre o seu papel (ao nos dar os bastidores que jamais tivemos acesso).
“A Era de Ouro” chega às telas depois de dez anos de tentativas. E, foi um fracasso de bilheteria. Mas, fica a impressão de que renderia melhor como um documentário ou minissérie. Apesar de durar 2h15, não mostra tudo (Bogart lançou também o Village People, apenas citado em passant), e poderá cansar quem não tiver ligação com a época, os artistas e o show business. Mas, é um trabalho de amor, de um filho que sabe o talento e valor que o pai teve.
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