Novo “Missão: Impossível” tem muitos predicados, mas o maior deles talvez seja o comentário que Tom Cruise faz sobre a era da inteligência artificial
Reinaldo Glioche
A tecnologia é vilã no cinema há muito tempo. Dois clássicos da ficção científica refinaram essa concepção enxergando na inteligência artificial um nêmesis para a humanidade. Esses filmes são “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968) e “O Exterminador do Futuro” (1984). Visionários que eram, eles abordavam com boa dose de imaginação uma realidade distante e, no caso do segundo filme, até mesmo pouco concebível.
Corta para 2023. Desde o lançamento do ChatGPT pela OpenAI, a corrida pela inteligência artificial ganhou contornos ainda mais dramáticos do que a corrida nuclear e enseja toda sorte de preocupação. É esse o contexto em que “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1” se insere. O filme abre com o abate de um submarino, para evocar outro tema corrente no noticiário recente, e ele como grande vilão uma inteligência artificial que se rebelou denominada A Entidade.
Enquanto o algoritmo serviu os propósitos de manipulação e desinformação, argumentam alguns engravatados na meia hora inicial do filme, que tem duração de 2h40m, houve conivência dos governos, especialmente do americano, aqui pincelado como uma vilão por conveniência. Mas agora que A Entidade é capaz de invadir, burlar e controlar todo e qualquer sistema digital, esteja online ou não, os riscos ficaram incalculáveis.
A missão de Ethan Hunt, é possível advogar, é a mais impossível de todas as que enfrentou. Não à toa, “Acerto de Contas” foi dividido em dois filmes. O roteiro não está à altura da força da ideia, mas Tom Cruise, um produtor sempre muito atento e perfeccionista, se distingue por apresentar o primeiro filme que mimetiza o zeitgeist.
O objetivo de Cruise, junto ao diretor e roteirista Christopher McQuarrie, era de fazer um comentário algo depreciativo sobre nossa tendência de confiar muito de nossas vidas a algoritmos, mas a velocidade da tecnologia se impôs e deu ao filme ainda mais momentum.
Em uma análise mais filosófica, o que Cruise advoga aqui é que o algoritmo está transformando o cinema de maneira irreversível e deve ser combatido. O comentário está lá e, na dinâmica do filme, o próprio Cruise verbaliza. Isso em um contexto do lado de cá da tela em que a Warner Bros. anunciou a contratação de uma inteligência artificial que irá medir a probabilidade de sucesso de projetos de interesse da empresa. Ou seja, o algoritmo irá decidir que filmes vão existir ou não.
Estripulias analógicas
Se o roteiro não está à altura da ideia, ele organiza muito do que os fãs da série estão acostumados a ver e temos Tom Cruise fazendo stunts de babar, novas personagens femininas roubando a cena e uma boa dose de espionagem camuflando um filme de ação.
Um ponto que chama a atenção aqui é o esforço para tornar o combate à A Entidade analógico. Em uma série que foi ficando cada vez mais tecnológica, até pelo universo que retrata, esse talvez seja o grande desafio. Nem sempre dá certo, mas a condescendência do público vem de bom grado. Em retorno, a produção capricha em cenas de ação com o mínimo de CGI possível. Destaque para a perseguição automobilística em Roma. O tanto que Cruise e Hayley Atwell balançam, colidem e desesperam-se fazem “Velozes e Furiosos” parecer animação infantil.