A exposição traz obras de três artistas que se encontraram no ateliê de Sérgio Fingerman e aborda temas do contemporâneo
Redação Culturize-se
A exposição “Olhares Cruzados” é uma manifestação do descaso, da solidão e do apagamento, explorados pelos artistas do grupo Contraponto. Fátima Farkas, Hilário Kleiman e Isabella Cesar, unidos pelo curador Sérgio Fingerman, apresentam suas obras na Galeria Contraponto, localizada na Vila Madalena, em São Paulo, de 23 de junho a 1º de julho.
Fátima Farkas, cuja trajetória profissional começou no design e depois migrou para as artes plásticas através da escola do Parque Lage, possui uma forte conexão com as questões étnicas e culturais brasileiras.
A atmosfera da exposição é de introspecção. As 16 obras expostas, apresentadas em uma instalação única, retratam a violência silenciosa, a exclusão, o abandono e o apagamento social e cultural. Elas transitam entre uma aparência pictórica aparentemente ingênua e a desconstrução expressiva da imagem ou de sua essência.
Ao lado de personagens reconhecidos na tradição das lutas raciais, as obras também retratam imagens poderosas, veladas e disformes que nos questionam sobre o destino de tantos que desapareceram na história, como os milhares de escravizados abandonados em campo aberto para morrer no Cemitério dos Pretos Novos, na Gamboa, no Rio de Janeiro.
Segundo Sérgio Fingerman, a curadoria de Fátima “evoca as singularidades desses personagens, suas lutas, clamando por um pertencimento humanitário em nossa sociedade”, por meio de uma fina ironia.
Embora seja um tema recorrente nas preocupações contemporâneas, Fátima foi profundamente marcada não apenas pelos personagens que superaram sua herança traumática, mas também pela emoção avassaladora de pisar no solo manchado pelo genocídio e pela diáspora africana no Valongo e no Instituto dos Pretos Novos, no Rio.
A artista Isabella Cesar explora os aspectos das imagens que sofrem com o desgaste do tempo. Durante a pandemia, ela produziu uma série de fotografias que retratam a aparência deteriorada da piscina de uma propriedade vizinha. O silêncio do abandono provocado pela imagem em decadência tocou profundamente Isabella, que passou meses capturando diariamente a aparência da piscina. Essa sensação de abandono, esquecimento e descaso com a realidade inspirou reflexões silenciosas e perturbadoras na artista. Ela passou a estabelecer um diálogo artístico com a realidade da piscina, buscando extrair um encantamento da degradação. As intensas chuvas que ocorreram naqueles meses trouxeram sutileza, leveza e até mesmo uma doçura à deterioração. Isabella explica que “aquarelando sobre as imagens, explorei o território do encantamento, extraindo uma realidade nova e lírica do desgaste do tempo”.
Sobre as pinturas de Isabella Cesar, Fingermann afirma que ela cria composições quase abstratas de detalhes arquitetônicos de piscinas, pintando sobre imagens fotográficas. O tema da piscina é um pretexto para criar um espaço onírico e quase musical. A ordem geométrica cede lugar a interferências inesperadas de interpretações e divagações.
Hilário Kleiman, atento ao movimento artístico nacional e discípulo de Dalton de Lucca, Setsuko Katayama, Manoel Fernandes e Paulo Pasta, revela em suas obras a preocupação com o que resta da percepção de humanidade. Ele provoca o observador a contemplar suas pinturas oníricas, nas quais há sempre uma estranheza presente que confere um tom melancólico às obras, levando o observador a refletir sobre o que está realmente vendo. Fingermann descreve as telas de Hilário Kleiman como pequenas cenas, sintéticas e quase fotográficas, que carregam um mistério, solidão e melancolia. As pinturas mostram fragmentos de casas, salas e ruas sem a presença humana.