O artista britânico mistura o mito do anonimato com questionamentos sociais, políticos e até voltados diretamente para o mercado da arte
Mayra Couto
O artista britânico que o mundo não conhece o rosto até hoje. Mas suas obras estão sempre presentes, repercutindo temas sociais e políticos, em lugares estratégicos. Um artista de rua que ganhou notoriedade tanto no meio da arte, como na internet, conquistando a identificação de públicos diferentes – e, inclusive, um Oscar de melhor documentário sobre arte, o “Exit Through the Gift Shop”. Mas afinal, o que está por trás do Banksy?
Vários questionamentos já foram levantados em torno do imaginário do artista. Afinal, ele seria um case do capitalismo consciente ou é apenas um esperto que sabe operar as engrenagens do sistema? Ele criou uma fórmula de fazer arte e virar meme? Ou como alguns fãs o definem, ele seria o Robin Hood ou o Zorro da sua geração?
De uma coisa é certa, independente de qual o objetivo por trás da escolha dele de permanecer no anonimato, esse fato ao longo dos anos acabou criando uma atmosfera de mito. “Ele se recusa a aparecer, assim como Elena Ferrante e isso não impede que ambos sejam, artista e escritora de sucesso, respectivamente. No caso do Banksy, parece uma estratégia, até pelo tipo de arte que ele produz. Trabalhos em muros, dependendo do lugar e da época, não eram permitidos por lei. É um trabalho mais sorrateiro. E hoje, deve continuar no anonimato, porque isso traz um fascínio e mistério, deixando o público dar asas à imaginação sobre ele e ao mesmo tempo ter a paz e liberdade de ser anônimo “, comenta Maria do Carmo Nino, artista, professora de história da arte e doutora pela UFPE.
Recentemente uma exposição com obras do artista esteve em São Paulo e o anonimato foi justamente um dos pontos que mais intrigou o público: “O que me chamou muito atenção foi a questão do anonimato e a obra autodestrutiva. Além disso, como o Banksy gosta de se manter anônimo e foca em chamar atenção para os reais acontecimentos. Tem muita obra sobre guerra, desigualdade e que nos faz refletir. A parte sobre a guerra na Ucrânia mostra muita da sensibilidade de produzir sua obra, em meio aquele caos. São obras de muita reflexão, para rever valores”, comenta a médica Paola Toth.
Além disso, há especialistas que o veem como parte da obra, como explica Sheila Ribeiro, artista e professora da UFBA: “Olhar o Banksy como espertão é não entendê-lo como artista. Ele se coloca como a própria obra também. Ele é o mágico, o coelho, o circo e o meme. Por isso, ele vibra como um mito. Porque Banksy também é a obra“.
Contudo, essa mitificação do olhar do público para o Banksy também passa pelo lugar do herói – por isso alguns fãs o olham como Robin Hood e Zorro – por ele sempre está levantando discussões sociais, com obras de fácil interpretação e com diferentes camadas de significado. “Um exemplo real disso é a obra que ele fez no muro do presídio HM Reading, na Inglaterra. A imagem mostra um homem fugindo do presídio em um lençol e na ponta está pendurada uma máquina de escrever. Essa obra sozinha já passa uma mensagem e uma reflexão social, contudo tem outras informações por trás. Essa prisão foi onde ficou detido o escritor Oscar Wilde, consagrado com o clássico “O Retrato de Dorian Grey”, por causa da criminalização da homossexualidade na época. Por isso, a obra dele é de fácil interpretação e algumas tem várias camadas de informação”, comenta Maria do Carmo Nino.
Os temas sociais, os locais escolhidos para expor sua arte e até a revelação online da obra, tudo isso traz um buzz em cima do artista e suas criações. O Banksy parece saber muito bem criar uma discussão, chamar atenção para o tema, repercutindo na internet, mundialmente em meios de comunicação e até virando meme. Será que toda essa engrenagem é feita de forma orgânica e ingênua, parece que não, como afirma a artista e professora da UFBA, Sheila Ribeiro: “Ele cria um circo para ser mágico, e também é um cenógrafo. Não é só a arte, é o evento da arte. Uma vez ele fez uma pessoa vender quadros falsos dele na rua e depois liberou a informação que eram quadros originais. Ou seja, ele cria eventos, nesse sentido, ilusórios e lúdicos”.
Essas ações também mostram o seu poder de criar memes: “É uma arte de fenômeno, é puro meme. Ele estimula as pessoas a fazer interlocuções com aspectos contemporâneos e mágicos. Elas se projetam e se contaminam e sai repercutindo. O meme segundo o britânico Richard Dawkins, da teoria da evolução, tem a ver com a informação que se multiplica. Ele faz eventos já nesse formato. Ele faz meme e vira meme porque o próprio sistema replica”, explica a artista Sheila Ribeiro.
De fato, o grafiteiro, que começou a chamar atenção na década de 90, com os murais pintados em muros de Bristol – local que muitos especulam ser sua cidade natal – e que depois ganhou o país e o mundo, criou um grande evento que entrou para a história da arte e surpreendeu a todos em 2018. Tudo começou em 2017 quando ele pintou em um muro no leste de Londres a obra intitulada “A Menina com o Balão” e que foi eleita, mediante voto pelos cidadãos do Reino Unido, como sua obra predileta.
Um ano depois, Banksy criou uma versão dessa obra que foi a leilão pela renomada galeria Sotheby’s, em Londres. O quadro foi vendido por 1 milhão de libras e poucos segundos após baterem o martelo, um sistema incluído na obra foi acionado e ela se autodestruiu na frente de todos, sendo picotada. Os amantes de arte e curadores presentes ficaram em choque com a ação que surpreendeu o mundo, virou piada feita pelo próprio Banksy online, e foi interpretado pelo diretor da área de arte contemporânea da Sotheby’s, Alex Branczik, da seguinte forma: “Parece que fomos Banksyficados”. Outros profissionais da área chamaram o evento de brilhante e a obra passou a ter uma valor até maior depois do ocorrido.
Esse fato mostrou que o artista consegue driblar o próprio sistema convencional da arte: “Ele consegue esse desafio enorme de passear pelos dois lugares, desde galerias até a popularidade da rua. Ele está no sistema de arte, em termos de valorização econômica e tem ao mesmo tempo uma arte acessível a todos. Dentro da sua paisagem imediata, nas ruas. Você não precisa ir a uma galeria para ver Banksy”, comenta a artista Maria do Carmo Nino.
Além disso, também fica em destaque com essas ações um pouco da personalidade de Banksy como artista que, inclusive, não tem medo de ser copiado. Em seu próprio site tem um aviso: “Encorajo qualquer pessoa a pegar e alterar minha arte para seu próprio divertimento pessoal, mas não para fins lucrativos ou para parecer que endossei algo quando não o fiz”.
Sua técnica marcante é também simples. E Banksy é um artista que não ficou conhecido apenas pelas imagens que cria, mas sim por todo o conteúdo, crítica e atmosfera em torno daquele trabalho. “Ele criou sua marca utilizando molde vazado com aerossol. Não é um artista que explora tanto as cores, e, sim, desenhos mais sóbrios. No caso dele, o mais forte, é menos. Seu estilo é reconhecível pela sátira, pelo humor, pela crítica que quer passar, antes mesmo das características plásticas. E, sim, a reprodutividade da obra dele é coerente e está ligada à técnica usada. Por exemplo, Mondrian também é fácil de ser reproduzido. Mas artistas como Os Gêmeos e o Kobra, por exemplo, já tem um estilo de difícil reprodução”, explica a professora e artista Maria do Carmo Nino.