Um futuro feito apenas por carros elétricos seria um mundo silencioso, muito mais limpo e amigo do meio ambiente. Mas será que é possível?
Por Mariana Soek
A indústria automotiva tem experimentado avanços tecnológicos significativos nos últimos anos. Um dos principais pontos de destaque são os veículos elétricos (VEs) que estão se tornado cada vez mais populares em todo o mundo.
No Brasil, o interesse pelos carros elétricos tem crescido consideravelmente. Em 2022, houve um aumento de 43,4% em relação ao ano anterior. Ou seja, 43,7 mil automóveis foram vendidos, segundo a Anfavea (associação das montadoras) e a tendência é seguir nesse ritmo.
A pesquisa Sustentabilidade e Mobilidade, feita pela Brain Inteligência Estratégica, mostrou que 65% dos entrevistados têm a intenção de dirigir um automóvel 100% elétrico em um futuro próximo e 81% dos entrevistados disseram acreditar que tais modelos são menos prejudiciais ao planeta.
Os números demonstram um interesse significativo da população e há quem acredite que no futuro os veículos elétricos podem extinguir os carros a combustível. No entanto, para o futurista, Gui Rangel, esse processo de transformação será lento no Brasil.
Isso porque os carros movidos a energia elétrica tem como característica principal a sustentabilidade, afinal de contas, eles não emitem gases poluentes, porém, o Brasil produz apenas 1,3% das emissões de CO2 globais, o que faz com que não exista uma pressão internacional tão intensa para justificar uma mudança acelerada de uma frota de veículos de combustão interna para uma frota eletrificada.
Além disso, os preços altos dos veículos elétricos no país e a falta de uma infraestrutura de distribuição e reabastecimento de energia também são barreiras para a sua adoção disseminada e popularização.
“O que vamos experimentar é um futuro de mobilidade rodoviária altamente diversificada, com uma participação crescente dos veículos elétricos, sim, mas acompanhados de veículos movidos a biocombustíveis e hidrogênio verde”, disse Gui ao Culturize-se.
A professora doutora do departamento de Engenharia Elétrica da UTFPR Ponta Grossa, Fernanda Cristina Corrêa, tem opinião semelhante. Para ela, o carro elétrico demorará para tomar conta das ruas brasileiras.
“Isso por conta de diversos fatores, como políticas públicas, incentivos fiscais e infraestrutura como pontos de recarga e, comercialmente falando, um bom custo-benefício. Além desses fatores, mesmo que o carro elétrico tenha um valor mais competitivo frente aos carros à combustão, é necessário que essa nova tecnologia traga segurança e confiabilidade aos consumidores.”
Em contrapartida, Fernanda explica que a transição da frota nacional de carros à combustão para carros elétricos deva acontecer de forma gradativa, e os carros de propulsão híbrida, compostos por motor à combustão e motor elétrico, farão parte dessa transição. Portanto, a partir da inserção dos carros híbridos, haveria um tempo maior para que a infraestrutura nacional se adequasse assim como os próprios consumidores que se sentiriam mais familiarizados com a nova tecnologia de mobilidade. Além disso, os carros de propulsão híbrida possuem desempenho muito similar aos carros à combustão, porém com menor emissão de poluentes e também menor consumo de combustível.
O carro elétrico pode salvar o planeta?
Dentre todas essas questões e benefícios relacionados ao meio-ambiente, um dos grandes questionamentos é: o carro elétrico pode salvar o planeta por não emitir combustíveis fosseis?
A professora Fernanda explica que a conexão do carro elétrico com o meio ambiente não é tão simples. Em termos de emissões de poluentes atmosféricos no carro à combustão tem-se: monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx), hidrocarbonetos (HC), óxidos de enxofre (SOx), material particulado (MP), etc. Todos esses poluentes afetam a saúde da população causando problemas respiratórios e até alguns tipos de câncer e ainda contribuem para o aquecimento global. Desta forma, com a adoção dos carros elétricos essas emissões seriam praticamente anuladas.
Entretanto, é necessário pensar nas fontes de energia dos carros elétricos, porque essa fonte deve ser sustentável. Caso contrário não faz sentido, por exemplo, queimar carvão para gerar eletricidade para recarregar um carro. Neste quesito, o Brasil tem uma grande vantagem, pois, sua matriz energética é limpa, vindo principalmente de hidrelétricas.
“Já em termos da poluição terrestre, é necessário ter um planejamento estratégico para a destinação das baterias dos carros elétricos. Com o aumento da comercialização dos carros elétricos, futuramente, daqui a uns 8 anos a 10 anos, haverá uma quantidade enorme de baterias de lítio íon para serem descartadas. A ideia principal é dar uma segunda utilização dessas baterias, o que chamamos de segunda vida. Essa segunda vida pode ser em aplicações estacionárias, tais como em sistemas de armazenamento de energia de fontes renováveis. As baterias que não puderem ter uma segunda vida seriam estão descartadas e seus materiais e componentes reciclados”, explica a professora.
E como recarregar um carro elétrico?
Um carro elétrico precisa, obviamente, de energia para funcionar. Atualmente já existem alguns postos públicos de recarga presentes em alguns shoppings e prédios, ou ainda podem ser carregados em casa em tomada doméstica.
No entanto, Fernanda explica que o tempo gasto em recarga doméstica será maior já que a potência é menor quando comparado a postos de recarga públicos. Uma forma de estimar o tempo sem levar todos os fatores em consideração é utilizando apenas a potência do carregador e o tamanho da bateria.
“O cálculo é feito dividindo a capacidade da bateria pela potência de carregamento. Por exemplo, um carro elétrico com bateria de 24 kWh, com uma potência de carregamento de 3,7 kW, levará em torno de 7 horas para ter a bateria totalmente carregada. O tempo para recarregar um veículo pode variar em cada carro elétrico devido aos fatores mencionados, como o desgaste da bateria.”
O valor da conta de luz pode subir, alerta Fernanda, porém, ao se comparar o valor gasto em energia elétrica e combustível, o carro com energia elétrica ainda é mais econômico.
Como ficam as gigantes do petróleo?
É natural que com essas transformações, os carros movidos com combustíveis fósseis, como gasolina e diesel, diminuam. E essa mudança pode ter impactos significativos nas empresas petroleiras, considerando que o setor automotivo é um grande aliado dos seus negócios.
No entanto, as gigantes do petróleo estão atentas a essa transição e estão diversificando seus investimentos em energias renováveis e tecnologias relacionadas.
Jean Paul Prates em seu primeiro pronunciamento como presidente da Petrobras falou sobre a intenção da estatal em ampliar os investimentos em energia renovável. “Enquanto o consumo global de fósseis ainda bate recorde, nós precisamos nos preparar para a inevitável transição energética. Se ninguém pode afirmar com precisão até quando a indústria tradicional convencional de petróleo e gás estará dominando, é indiscutível que esse momento está cada vez mais próximo”, disse.
Uma coisa é fato: com os carros elétricos a mudança no futuro será significativa. Segundo o futurista Gui Rangel, os veículos elétricos têm o potencial de tornar o ar das cidades mais limpas e as ruas mais silenciosas, aumentando a qualidade de vida dos centros metropolitanos. Essa já é uma realidade de países como a Noruega.
“Eles vão ajudar a sociedade a reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis – não só diminuindo o impacto ambiental do seu consumo, mas também o poder das nações que fazem parte dos cartéis que controlam os preços e a disponibilidade do petróleo. E com o passar do tempo, mais recursos serão investidos em Pesquisa e Desenvolvimento, o custo de produção dos veículos diminui, a densidade energética das baterias aumenta, seu tempo de recarga é reduzido e o seu preço final cai exponencialmente”, diz Gui Rangel.
“O Brasil tem a chance de aproveitar essa revolução e reinventar a nossa mobilidade urbana e rodoviária, integrando-a às iniciativas de proteção ambiental e sustentabilidade. Momentos disruptivos com o potencial de reinventar a nossa sociedade são raros. Por isso, o Brasil não pode perder essa chance, porque quem cria o futuro não arrisca ficar obsoleto”, finaliza.