Cantor se apresentou em São Paulo nas noites de 26 e 27 de maio, no Teatro Bradesco, com um show decididamente intimista e determinado a prestigiar a audiência
Por Reinaldo Glioche
Existe uma diferença fundamental entre dispor de um ambiente intimista em um show e construir uma intimidade com a plateia. Essa equação tão delicada como uma flor de lis talvez só seja dominada por artistas que “joguem fora suas vaidades” com o tempo de estrada, como diz em certo momento, antes de começar a cantar “Estrada Nova”, Oswaldo Montenegro, 67, na noite de sexta-feira, dia em que Culturize-se acompanhou o show.
Talvez também tenha ajudado o fato de que a família do cantor estava na plateia e isso, compreensivelmente, age como um estímulo – mesmo para quem tem “timidez social, mas nunca com o público”. Oswaldo Montenegro, entre uma música e outra, trocava uma ideia com sua plateia, formada por pessoas de todas as idades, algumas confessadamente groupies que entoavam todas as canções e vestiam-se com camisetas com dizeres de composições do artista.
A intimidade deve ser cortejada e cultivada e, nesse sentido, dividir o palco com ” a ex-namorada que virou amiga e hoje é irmã”, a flautista Madalena, tenha sido a senha para que a pretensão se tornasse algo quase metafísico. Foram três canções dedicadas a Madelena no curso do show, e ela, mais do que qualquer pessoa no palco – e eram muitas – sentia o pulso do show, se emocionando constantemente. “Nosso show sempre muda”, observou Montenegro, “mas esse número sempre vai estar nele, eu venho pro meu show pra ver isso”, bradou antes de anunciar um solo de flauta de Madalena.
A experiência de assistir composições de Montenegro reinterpretadas pelo próprio junto a uma orquestra é realmente muito especial para quem nutre intimidade com a música, no varejo, mas também no atacado. “Se você perguntar para um compositor qual a canção que ele mais gosta, ele vai dizer que todas são como filhas, mas é mentira”, revela um desenvolto Montenegro, claramente flertando com sua audiência. “Tem música aí que você não é o autor, mas o culpado. Eu, por exemplo, já tive muitas favoritas, mas hoje minha predileta é essa aqui” e então começou a cantar “A Lógica da Criação”.
Faz sentido que essa música, lançada como parte da trilha sonora do filme “Solidões”, de 2013, o segundo de quatro longas-metragens de Montenegro, esteja em seu inner circle no momento. É uma canção de reflexão que navega entre o pessimismo e o otimismo – algo que naquela noite pôde-se perceber ocupar o íntimo do artista – e que se vira para a solitude inerente à existência.
À mãe, Montenegro dedicou “Bandolins”, composição favorita de sua progenitora, e antes de treinar a plateia para um arrebatamento que não pode ser treinado na execução de “Intuição”, uma resposta a “Blowin´in the Wind” de Bob Dylan, executou com graciosidade “Léo e Bia”, “A Lista”, “Lua e Flor”, entre outras.
A tal da intimidade fez com que “Intuição” não encerrasse o show – foi “Eu Quero Ser Feliz Agora”, que valeu outra anedota sobre Madalena – e um sorridente Oswaldo Montenegro correndo para fora do palco. Embora se reconheça como um homem “que gosta de ser complicado” e que “privilegia composições melancólicas”, ele parece realizado na simplicidade de estar fazendo o que gosta com quem gosta à essa altura dos acontecimentos.