Na reta final, festival apresenta longas de diretores benquistos na riviera francesa e que aventam um olhar mais empático e esperançoso para a vida
Por Mariane Morisawa
Depois de um filme sobre o diretor de Auschwitz e sua família, outro sobre um culto que valoriza distúrbios alimentares e um terceiro que fala de um massacre de indígenas para ficar com suas terras, o 76º Festival de Cannes amoleceu, dando um respiro para os jornalistas que acompanham a competição – inclusive na duração dos filmes. No lugar de visões sombrias sobre a humanidade, chegaram as obras em que, apesar de dificuldades, há graça e empatia.
Em “Fallen Leaves”, o finlandês Aki Kaurismäki evoca Charles Chaplin e Buster Keaton na história de amor entre Ansa (Alma Pöysti), uma repositora de estoque em um supermercado, e Holappa (Jussi Vatanen), um trabalhador da construção civil. Ele é bastante pobre, morando em um alojamento com outros homens, e sofre de alcoolismo. Ela mora em um apartamento minúsculo. Ambos são solitários. Encontram-se por acaso em uma noite em que resolvem sair para espantar um pouco a melancolia. O romance, porém, sofre diversos obstáculos. Mas Kaurismäki tem o coração no lugar certo e acredita no ser humano.
As obras de Kaurismäki e Wes Anderson têm suas proximidades, seja no humor ‘deadpan’, em que os atores não demonstram emoção ao dizer os diálogos, seja nos cenários milimetricamente estudados, com cores marcantes – só mudam os tons.
Mas o americano não mostra pessoas em dificuldades econômicas, nem se conecta muito ao lugar presente. Seus filmes parecem se passar em um universo e um tempo próprios. É assim em “Asteroid City”, uma homenagem aos filmes de ficção científica. Na cidade do título, jovens se reúnem para uma convenção de ciências. É por isso que Augie Steenbeck (Jason Schwartzman) vai para lá com os quatro filhos. E também a razão pela qual a estrela de cinema Midge Campbell (Scarlett Johansson) está naquele vilarejo no meio do deserto, para acompanhar sua filha Dinah (Grace Edwards).
Anderson reúne uma galeria de personagens deliciosamente esquisitos, como a professora June (Maya Hawke), a astrônoma Dra. Hickenlooper (Tilda Swinton) e o gerente do hotel (Steve Carell). Graças à aparição de um alienígena, todos precisam ficar em quarentena, uma citação à pandemia, sem dúvida. Mas, nesse mundo colorido e encantador, há espaço para a dor: Augie não tomou coragem ainda de dizer às suas filhas pequenas e a Woodrow que a mãe deles morreu. “Nunca é o momento certo”, ele diz para o sogro, interpretado por Tom Hanks. No caso da morte, nunca é, realmente.
Enquanto a ação de “Asteroid City” é uma peça dentro de um programa de televisão, Nanni Moretti faz um filme dentro do filme em “A Brighter Tomorrow“. O cineasta italiano fez diversos tipos de filme, incluindo o drama arrebatador “O Quarto do Filho”, com o qual ganhou a Palma de Ouro em 2001. Mas ele também é conhecido por seus filmes de memórias pessoais, como “Querido Diário” (1993), com o qual se tornou conhecido.
Seu novo longa traz de volta o cineasta neurótico e autocentrado que foi personagem de vários filmes e é uma versão exagerada – esperamos – do próprio Moretti. Seu personagem, Giovanni, está dirigindo um filme sobre o Partido Comunista Italiano nos anos 1950. Em muitos momentos, Moretti é autorreferente, o que pode tirar a graça para quem não conhece sua obra. Mas, para quem conhece, ele oferece momentos de ternura e aquece o coração com a participação de atores de seu passado para reafirmar a crença no cinema.