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O Dia do Trabalho sob o signo da crise social

Por Rogério Baptistini*

Pouco antes de Adam Smith publicar A Riqueza das Nações (1776) e iniciar a trajetória da economia como uma ciência social moderna, nascia em Genebra, na Suíça, Charles Léonard de Sismondi (1773-1842). O autor testemunhou as transformações que a revolução industrial legou à Europa, sobretudo os seus efeitos sociais sobre os trabalhadores, a massa formada por homens, mulheres e crianças submetidas à moderna divisão do trabalho social e ao ritmo da máquina.

A jornada de trabalho de treze horas ou mais, a ausência de voz na tomada de decisões e os baixos salários levaram Sismondi, leitor de Smith, a ser um dos primeiros economistas a caracterizar a sociedade moderna como estratificada em classes sociais distintas e antagônicas: os capitalistas e os trabalhadores ou, em outros termos, os ricos e os pobres. Esses últimos, segundo ele, vítimas das consequências negativas do modo de produção.

Em oposição à visão predominante entre os economistas políticos ingleses — Smith, Ricardo e Malthus-, que naturalizavam o fato de os proprietários viverem uma vida melhor do que a dos trabalhadores, Sismondi advertia que os pobres eram vítimas dos ricos e sacrificados em nome do aumento de uma riqueza da qual eles não obtinham proveito algum.

O Dia do Trabalho guarda relação com essa situação denunciada por Sismondi a partir da observação da França sob a industrialização no século XIX. Lá, assim como em outras partes do mundo, como em Chicago da greve geral de 1º de maio de 1886, o dinamismo do modo de produção transformou a maioria das pessoas em membros da moderna classe trabalhadora, seres que somente sobrevivem quando encontram trabalho, e só encontram trabalho quando este convém à reprodução da acumulação do capital.

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Foto: Pexels

Desprovidos de riqueza na forma de capital, terras ou meios de produção, a maioria dos seres humanos é obrigada continuamente a se vender pouco a pouco sob condições que não controlam. Trabalhar para viver. A angústia do nosso tempo, de paixões tristes e ressentimentos (François Dubet) e de vidas desperdiçadas (Zygmunt Bauman), é que não há compradores para o trabalho.

No século XIX da segunda revolução industrial, Sismondi reivindicava a atuação do Estado em defesa dos fracos. Um abandono ao liberalismo econômico e à ideia de absenteísmo do governo em relação à economia. De fato, a chamada era de ouro do capitalismo (1945-1973) foi devido ao exercício de um papel redistributivo e garantidor da expansão relativamente estável do capitalismo pelo Estado. A formação de uma vigorosa classe média, capaz de absorver continuamente novos membros e que se realizava no consumo, foi motivada por isso.

Neste século XXI da quarta revolução industrial e marcado pela pandemia de covid-19, vivemos como que uma volta ao passado. Desde o retorno aos princípios liberais em economia, com a ascensão do neoliberalismo depois do encerramento da era de ouro, os trabalhadores acumulam perdas e a classe média rebaixa seu padrão de vida.

A destruição do Estado garantidor do bem-estar social e a adoção agressiva das políticas derivadas da teoria do trickle-down (mais incentivos para os ricos investir e menos subsídios e garantias para pobres e os trabalhadores) – economia do lado da oferta-, abalou os alicerces da sociedade de afluência construída no pós-segunda guerra. Isso, mais as inovações tecnológicas disruptivas, fizeram renascer as brutais desigualdades distributivas de poder e de renda, típicas da aurora da sociedade moderna.

Agora, talvez, nem o trabalho funcione como um elemento de reconhecimento e socialização. O seu mundo simbólico, celebrado no Primeiro de Maio, talvez já não mais exista diante da realidade de uma competição de todos contra todos, empreendedores de si mesmos num espaço fragmentado que ainda recebe o nome de sociedade, mas que sequer empresta segurança ao grupo outrora orgulhoso de estar inserido, a chamada classe média (Christophe Guilluy).

Como escreveu o sociólogo Robert Castel, ao realizar uma crônica dos salários — a remuneração paga pelo trabalho- em As Metamorfoses da Questão Social (1995), diante da situação de desemprego e de ausência de proteção, que torna as pessoas supranumerários, “inímpregáveis”, precários e intermitentes, “o futuro é marcado pelo selo de aleatório”.

*Rogério Baptistini é sociólogo e professor no Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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