Peças íntimas, transparência e até pijamas saem das passarelas e ganham as ruas. Tendências são espelho do momento que vive a sociedade
Por Ana Carolina Pereira
A moda é considerada um ato de liberdade. Nas passarelas, não há regras, o que comanda é a criatividade dos estilistas, que utilizam elementos lúdicos, surrealistas e muitas vezes exagerados em um verdadeiro espetáculo. O desfile é o momento de catarse para que os que acompanham o setor tenham uma noção do que está por vir nas próximas estações e araras. Mas nem tudo o que é apresentado nesse espaço será visto posteriormente nos ambientes sociais comuns, como no trabalho ou na rua.
Bruno Braga, especialista em negócios em moda e professor de design de moda, ressalta o uso da nudez, que é o avesso do vestir, e peças íntimas na composição dos chamados looks das passarelas como formas de envios de mensagens disruptivas e revolucionárias.
“O mais interessante é que, no caso das lingeries, a tendência extrapola as passarelas e ganha as ruas e as lojas. O outwear – que é o oposto de underwear, que significa ‘roupa de baixo’, em inglês –, tem sido usado não apenas para trazer sensualidade e mistério, mas para criar produções empoderadas e para os mais diferentes estilos de mulheres”, diz.
Tendência: outwear
Não é a primeira vez que o uso da lingerie à mostra entra no ciclo da moda. Nos anos 1980, um corpete causou polêmica quando usado por Madonna na capa do álbum Like A Virgin. Nos anos 1990, as camisolas de seda ganharam ar de romantismo ao cobrir a princesa Diana. Mais recentemente, nos anos 2010, a tendência foi usada de forma mais casual e foi bem aceita em eventos noturnos, por exemplo. Mas sempre com uma certa ressalva em relação ao seu uso em ambientes mais formais.
“Agora, nós vemos uma grande tendência do uso de lingeries em composições com alta-costura e com peças mais sociais, incluindo a utilização em ambientes profissionais, seja com transparências, apenas um destaque para uma peça ou uma composição mais completa, com um pouco de todos esses elementos”, ressalta Braga.
Trata-se de uma tendência que tem crescido muito nos últimos anos, e que, como é de praxe na moda, sempre se reinventa. O especialista ressalta o sutiã como a peça-chave do conceito, sendo a que mais fica aparente. Mas outras peças, como as hot pants, meias-calças, corseletes e bodies também vêm ganhando mais espaço.
“Eu gosto do fato do outwear englobar todas as possibilidades e não apenas o sutiã, que às vezes vêm apenas para dar um charme e um contraste ali embaixo de um terninho ou alguma outra peça mais pesada. E mesmo o sutiã, agora, vem com tudo como sendo a peça principal, utilizado sozinho na parte de cima, com uma saia de alta-costura, por exemplo. Não é mais vulgaridade, é elegância”.
Vulgaridade versus liberdade
Para a antropóloga Rebeca Arantes, a tal liberdade que se atribui à moda é (e sempre foi) ainda mais significativa para as mulheres. Foi por meio das vestimentas, com a inserção de peças como calças nos vestuários femininos, que as mulheres conquistaram mais espaço e mais respeito no mercado de trabalho e é também por meio dessa cultura que os estigmas vão se desconstruindo.
“Se pararmos para analisar, é um paradoxo dizer que as mulheres conquistaram a liberdade de trabalhar e mais respeito nos ambientes predominantemente masculinos ao usar calças. Mas eram as armas que se tinham à época e, no fim das contas, usar calças se tornou um ato revolucionário. Bem como queimar sutiãs. Veja, então, como é simbólico falar de peças de roupas. Agora, o fato da lingerie aparecer como uma peça elegante é também revolucionário”, aponta. Rebeca lembra também de outras peças que têm saído de casa – e do quarto, nesse caso, mais especificamente – e que retratam muito bem a época que está sendo vivida. “É interessante reparar, por exemplo, nos pijamas. Depois de anos de clausura e isolamento, ocasionados pela pandemia, o conforto tomou parte do guarda-roupa e passou a ser aceitável ir não apenas à padaria mas a qualquer local com roupas que lembram e que muitas vezes são, de fato, pijamas. É, mais uma vez, a história e o comportamento ditando a moda. E vice e versa. As roupas são instrumentos poderosos e precisam mesmo ser usados como tal, seja tendo como fim a liberdade ou o conforto – ou os dois”.
Outwear na prática
Para quem ainda não se sente confortável com a tendência, mas quer entrar na moda, o conselho de Bruno Braga é começar aos poucos, brincando com texturas até se sentir completamente à vontade.
“Uma camiseta regata bem larga e cavada, por exemplo, é uma maneira bastante discreta de começar a deixar o sutiã ou um bodie à mostra. Para quem é mais clássica, o investimento em um look todo preto, com uma peça de lingerie lisa também pode ser uma boa opção”, afirma. “As composições mais esportivas também costumam ser um caminho certeiro para apostar no outwear sem ousar demais”.
E para quem quer se aventurar, o céu é o limite. “Eu indico olhar as passarelas, os tapetes vermelhos e as impactantes capas de revistas de moda para se inspirar. Se antes só se podia usar bege embaixo de renda branca, por exemplo, hoje já vemos lingeries pretas fazendo esse papel. As regras estão aí para serem quebradas. O importante é se sentir bem e ter confiança para bancar o look, que pode ser do jeito que cada um quiser”.