Cantora mistura a nostalgia já conhecida com novos sons e traz parcerias com Jon Baptiste e Father John Misty em seu nono álbum de estúdio, “Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd”
Por Gabriela Mendonça
Você sabia que tem um túnel abaixo da Ocean Boulevard? A passagem fica na região de Long Beach, na Califórnia, e foi construída em 1928 para acesso de banhistas à praia. Coberto por azulejos e mosaicos, o túnel fechou em 1967 e agora é apenas uma memória do passado.
Ou era, já que foi resgatado por Lana Del Rey em seu novo álbum, “Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd”, lançado na última sexta-feira (24). Esse resgate do passado, imaginando as prováveis histórias que devem ter acontecido em outros tempos, parece ser um tema de atração da cantora que, mais uma vez, oferece altas doses de nostalgia em sua música.
A faixa título lembra a todos da existência do túnel, e do fato de que está inutilizado há mais de 40 anos. Ela questiona quando isso acontecerá com ela também, quando será descartada pelo público.
Não agora, já que o novo trabalho dá outra chance do público, mais uma vez, se apaixonar pela cantora. Sua “sofrência” habitual, falando sobre relações que fracassaram acompanhada de um piano e enaltecendo sua voz suave continuam aqui, mas ela busca um som mais épico, enquanto examina sua vida e seus traumas.
The Grants (o sobrenome original da cantora, Elizabeth Grant), que abre o disco, fala sobre família e memória, e ao longo do álbum ela retorna ao tema, como em Kitsungi. A palavra japonesa representa a arte de reparar uma cerâmica quebrada usando fios de ouro, trazendo beleza ao que um dia se partiu. Ela retrata a família com uma melancolia renovada pelas recentes mortes – de sua avó e e de seu tio.
Ela também oferece comentários para quem fala dela. Ao longo da carreira, Lana já foi criticada por sua estética, seu som, suas letras, suas opiniões e, principalmente, sua aparência.
Ela discorre sobre a maioria dos temas ao longo do álbum, dizendo em A&W (uma abreviação que pode ser traduzida como “prostituta americana”) que não se importa com o que falam dela: “Olhe para mim / O comprimento do meu cabelo, meu rosto, o formato do meu corpo / Você acha que eu me importo com o que eu faço depois de anos ouvindo eles falarem?”.
Na música, a mais longa do álbum, com mais de sete minutos, ela ainda fala sobre sua relação com o amor e o sexo, dois conceitos que sempre permearam sua carreira. “Não é mais sobre ter alguém para amar / Não, é sobre a experiência de ser uma prostituta americana”.
Aqui ela parece se questionar mais, e acaba fazendo canções mais inventivas. A parceria com Jack Antonoff, que co-escreveu e produziu os discos “Norman Fucking Rockwell!” de 2019, e “Chemtrails Over the Country Club”, de 2021, se prova frutífera mais uma vez, e eles experimentam novos sons, como em Peppers, em parceria com a rapper Tommy Genesis.
E é a partir da metade do disco, em Paris, Texas, que isso fica mais evidente, e a sequência final é o ponto alto do disco. A partir daqui, encontramos a Lana de sempre, mas ao mesmo tempo ela encontra uma nova linguagem, quase como um conto de fadas, ou um sonho que ela divide conosco. Uma viagem ao passado, ou só uma viagem.
As parcerias também são pontos altos do álbum, especialmente com Jon Baptiste em Candy Necklace e Father John Misty, com quem ela compartilha a bonita Let The Light In, que narra os encontros apaixonados de um casal. Ela ainda canta com Antonoff e seu Bleachers em Margaret. Além do talento de Baptiste no piano, Lana ainda conta com o pianista Riopy em Grandfather Please Stand on the Shoulders of My Father While He’s Deep-Sea Fishing.
O disco tem algumas interrogações, como um sermão do pastor Judah Smith que aparece na quinta faixa. Conhecido por suas visões retrógradas e homofóbicas, Smith não faz sentido no disco, mesmo que pareça que a contora o coloque lá com o propósito de tirar sarro de suas palavras. Brincadeira ou não, é fora do tom e poderia não estar lá.
Mas ao menos ela compensa isso com Jon Baptiste Interlude, onde parece se divertir com o cantor e pianista, enquanto grava os momentos em que eles trabalham em uma música.
“Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd” talvez não tenha o apelo comercial de obras anteriores, mas Lana Del Rey também não parece preocupada com isso. Não se engane, ela quer continuar relevante, quer ser ouvida, e deixa isso claro em sua música. Só parece cada vez menos disposta a comprometer seu som e sua voz para isso. O resultado é original e melancólico, como já nos acostumamos a esperar dela.