Por Reinaldo Glioche
Estar feliz consigo mesmo não é tão simples, ou fácil, como fazem crer as comédias românticas, ou mesmo a literatura de autoajuda. Quanto mais se aproxima dos 40 anos, mais a sociedade é hostil a mulher. É preciso empreender uma grande reestruturação interna para não se deixar abater por paradigmas sociais. Eliane Bodart, que está com livro novo na praça, “Estilo Ageless” (Editora Viseu), gestou essa grande transformação íntima e conta sobre esse processo nesse livro de crônicas e potentes confissões.
Nesta entrevista ao Culturize-se, ela revela como se descobriu escritora durante uma severa depressão, como esse ofício se revelou um instrumento de cura, e, finalmente, uma nova profissão depois de se aposentar como juíza de direito.
“A maturidade é uma mãe amorosa”, observa Eliane Bodart que desponta convicta e muito consciente de seu espaço e tempo como mulher.
Culturize-se: Você fala um pouco nesse novo livro sobre a descoberta desse ímpeto por escrever, mas é possível explicar um pouco mais desse processo de ir de juíza para aposentada e finalmente escritora
Eliane Bodart: Eu conheci o prazer da leitura na infância e esse amor só cresceu ao longo da minha vida. Eu tinha o desejo de ser uma escritora, mas ficava intimidada por acreditar que nunca seria tão boa quanto os autores que eu admirava e fui adiando esse desejo.
Mas sempre fui de Humanas, me formei em Direito, então desde a faculdade o meu instrumento de trabalho era a palavra.
Como Juíza de Direito, a comunicação era por meio dos despachos e sentenças. E a sentença não é uma contação de história? De tudo que aconteceu no processo, uma análise crítica das provas e a conclusão. Com o volume imenso de trabalho, sempre tive a meta de ser concisa, objetiva e inteligível. Não pelos advogados, que falavam o “juridiquês” tão bem quanto eu, mas pelas partes. Sempre fui didática nas audiências e me tornei hábil em retirar o essencial da fala de uma parte ou testemunha. Isso era aprimorado dia a dia. Quando me aposentei, eu apenas redirecionei essas habilidades e recursos para outra esfera, que é a literatura. Não vejo, portanto, como uma guinada radical, mas apenas um ajuste de rota.
Eu já tinha o miolo de um livro, “Um Caso de Bipolaridade”, que estava engavetado porque eu não sabia nada do mercado do livro, mas com tempo de sobra, consegui aprender sobre isso e publiquei meu primeiro livro. E, por alguns anos mantive, por hobby, um blog de crônicas, que também foi um exercício constante de aprendizado e aprimoramento. E dessas crônicas eu tirei boa parte do material do meu segundo livro. E, por fim, aprendi mais sobre a arte de escrever contos e publiquei meu terceiro livro, no prazo de três meses. Gostei tanto que já publiquei mais três desde então.
Culturize-se: “Estilo Ageless”, apesar de contar com algumas crônicas, tem uma verve bem confessional e me parece que isso é algo inerente ao seu estilo de escrita. Como é esse processo? Como temperar a exposição?
Eliane Bodart: Até eu fiquei assustada com a exposição e o caráter confessional quando reli o livro depois de publicado. Mas eu só sei contar algo verdadeiro. Algo que seja real para mim. Ao mesmo tempo sou muito discreta e reservada na minha vida pessoal. O que eu conto nesse livro são histórias passadas, que fazem parte da minha história mas que, muitas mulheres que eu convivi e leram o livro, acabam se reconhecendo. E foi por isso que escrevi sobre fatos e pessoas importantes na minha vida, porque eu tinha certeza que as leitoras se identificariam e eu daria voz a elas.
Contando a minha história, eu contaria a história delas também e isso me deu a coragem necessária de expor não a mim, mas as histórias que vivi. Quantas de nós não se sentia “esquisita” na adolescência? Quantas foram filhas de mães solo e tiveram dificuldades com a figura de um pai ausente? Quantas enfrentaram dificuldades, dores, turbulências e foram resilientes para fazer o que tinha que ser feito? Eu falo sobre pessoas importantes na construção dos meus valores e do meu entendimento como pessoa. Dos mentores que escolhi para a vida. Das transformações que vivi. Da dor de sofrer um aborto, da dificuldade de criar filhos… Tudo isso é meu. E é da Maria, da Joana, da Ana…
Mas ser escritora me dá a liberdade de não só me mostrar, mas também de me esconder. Nem sempre minhas histórias estão em primeira pessoa. Nos meus livros você sempre terá histórias verdadeiras, mas nem sempre você saberá se aquela história é minha. É assim que eu me protejo e protejo outros personagens reais cujas histórias eu conto.
Culturize-se: Como surgiu essa empreitada de ser master love?
Eliane Bodart: A escritora e a Master Love surgiram no mesmo momento e da mesma forma. Aposentada, pandemia, navegando pela internet do sofá da minha sala. Meu espírito inquieto e a vontade de aprender fez com que eu descobrisse diversos cursos, lives, maratonas gratuitas e alguns cursos pagos que me levaram a aprender a escrever de forma profissional, sobre o mercado do livro e permitiram que eu publicasse meus livros. Do mesmo modo eu conheci a Cátia Damasceno, mulher fantástica, que tem um Canal no Youtube com mais de 9 milhões de inscritos, falando de forma descomplicada e divertida sobre sexualidade e empoderamento feminino. Eu me inscrevi no canal e recebi um e-mail falando sobre uma Master Class sobre a profissão Master Love. Curiosa, assisti e me encantei pela ideia.
Anna Neves, do Instituto Anna Neves de Desenvolvimento Pessoal desenvolveu a formação dessa profissão nova, agora certificada pelo MEC. Master Love é um processo, um método, para resolver questões pontuais sobre Relacionamento Amorosos e Sexualidade. É um método rápido (entre 3 e 8 sessões semanais), nos quais eu, como Master Love, conduzo a cliente por um caminho de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal para lhe dar recursos e habilidades para resolver a questão inicial. Novamente uso aqui a palavra, a tradução do desejo do outro, a escuta ativa, todos elementos que usei na minha experiência profissional e pessoal.
Culturize-se: Qual o perfil de cliente? Você pode nos dar um exemplo de casos em que atuou?
Eliane Bodart: Podem ser clientes do Processo Master Love homens e mulheres que queiram resolver questões nas áreas de relacionamento pessoal e sexualidade. A minha cliente pro bono, que atendi para conseguir meu certificado, atravessava uma depressão severa há dois anos. Ela queria melhorar sua autoestima porque não reconhecia seu corpo depois de ter emagrecido mais de dez quilos com a depressão e ela sequer conseguia se olhar no espelho. Como Master Love eu não atuo em traumas ou doenças, me certifiquei que ela estivesse sendo atendida por profissionais quanto à depressão, mas, em cinco sessões trabalhei com ela sua autoimagem, sua autoestima, lhe passava tarefas e exercícios e, ao final, ela ainda tinha dificuldades, mas conseguia se olhar no espelho, ter carinho por sua imagem, cuidar um pouco mais de sua aparência e dela mesma. Falo da experiência dela porque ela me autorizou e fez um depoimento comovente nas minhas redes sociais.
Não satisfeita em ser Master Love eu fiz uma nova formação, que é a de Analista de Casais, também com a Anna Neves, e trabalho bastante com casais, temas como a dificuldade de comunicação, superar uma traição, avaliar se ainda existe um vínculo do casal ou se o relacionamento não tem como continuar e decidirem por uma separação.
Culturize-se: A insegurança feminina parece ser uma commodity nos setores de vestuário, cosméticos e até livreiro. Como se apartar dessa percepção e, de que forma, esse movimento te empodera enquanto autora e mulher?
Eliane Bodart: Eu nunca fui de seguir moda, sempre me pautei pelos meus valores e desejos pessoais no vestir, no agir, no ser. Foi bem difícil na adolescência e no início da vida adulta. Mas com a maturidade tudo ficou muito mais fácil. Se nunca me incomodei com a opinião alheia, não é agora que vou me incomodar. E a maturidade é uma mãe amorosa. Ela permite que você se vista de forma confortável, abandone os saltos altos e indigestos. Se você fez a lição de casa direitinho, aprendeu o que gosta e o que não gosta, só sai de casa se vale à pena, tem em você sua melhor companhia, só dá valor àquilo que tem valor. A vida fica mais leve e prazerosa. Mas se você se deixar seguir pelo olhar dos outros, pela blogueirinha da vez, pelos anúncios que dizem como você deve se vestir, se maquiar, se pentear, se relacionar para ter sucesso e ser admirada, aí é um buraco sem fundo. A insatisfação será inevitável e a busca por ser alguém irreal vai levá-la à falência, ou pior, à loucura. E, com certeza, te fará extremamente infeliz.
Culturize-se: Idade e vida sexual são dois fatores que ainda mexem muito com a mulher. Há, porém, indícios de mudanças culturais. Que papel as mulheres entre 30 e 60 anos podem e devem exercer para consolidar esses novos paradigmas para as gerações futuras?
Eliane Bodart: Nós devemos ter coragem de existir. Mostrar que mãe transa. Que existe vida sexual depois da maternidade, depois do divórcio, aos 30, 40, 50, 80 anos. A sexualidade humana é um dos elementos primordiais da qualidade de vida. Abdicar desse prazer por qualquer questão que não seja sua própria vontade, por receio do que vão dizer é um martírio que não deve mais ser imposto a ninguém. As mulheres da minha geração estão à procura de bons relacionamentos, de companheiros, de parceiros para o sexo e para a vida. Mulheres maduras se casam, se unem a novos parceiros, sem qualquer recalque. Essa semana mesmo vi uma matéria em uma revista virtual sobre atrizes acima dos 70 anos que assumem ter uma vida sexual ativa, seja com um parceiro, seja dando prazer a si mesma. E adorei aquilo.
É essa mensagem que vamos deixar para as mulheres que estão vindo: sexo é bom, é saudável, e a mulher madura não só gosta como sabe fazer muito bem.
A nossa sexualidade não está mais relegada a quartos escondidos. Não existe uma idade na qual a sexualidade feminina não fica bem. Este é um direito que minha geração conquistou e esse é o nosso legado.
Culturize-se: Te lendo fica a percepção de que sua reinvenção foi plena e satisfatória. Mas você mesma observa os percalços enfrentados como a depressão. Quais lições você tira dessas fases e como elas contribuem para você ser a mulher que é hoje?
Eliane Bodart: Quando eu tive depressão, eu lutava todos os dias apenas para conseguir abrir os olhos. Foi uma dor tão grande e tão profunda que eu não acreditava que poderia superá-la. Nunca entendi o motivo de ter sido atingida de forma tão brutal por aquela doença.
Mas foi por ela que escrevi meu primeiro livro, em um processo de cura. O que dez anos depois me tornaria escritora.
Foi avaliando o que estava errado na minha vida, quem eu era, quem eu queria me tornar, que trilhei um caminho de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal que me fez cuidar melhor da minha saúde, da minha alimentação, que permitiu que eu encerasse com segurança e tranquilidade o ciclo do direito e da magistratura. Foi nesse processo que me encontrei com a escrita e que me conectei com a minha feminilidade. Foi atravessando e superando tantos e tantos obstáculos que hoje eu sou Master Love e transformo, com o meu trabalho, a vida de outras pessoas e, com meu exemplo, sirvo de inspiração para muitas mulheres que, pela minha escrita, passam a ter voz. Hoje sou mais leve, minha vida me dá realização e prazer, estou mais serena e centrada. Tenho um orgulho danado da minha trajetória e plena convicção que estou atravessando a melhor fase da minha vida. E veja que coisa, tudo isso só foi possível em razão daquela crise severa de depressão.