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Políticas públicas e povos indígenas

Kristhian Kaminski

Política pública, ou políticas públicas no plural como é mais comum ouvirmos, é o conjunto de ações desencadeadas pelo Estado – no caso brasileiro, nas escalas federal, estadual e municipal -, com vistas ao atendimento a determinados setores da sociedade civil. Elas se dividem em quatro categorias: as distributivas, que são destinadas a um grupo específico da população; as redistributivas, orientadas a promover o bem-estar social; as regulatórias, que estabelecem regras e organização da sociedade; e as constitutivas, que tratam da própria forma de funcionamento das políticas públicas.

As políticas públicas abrangem diversas áreas e públicos, tais como saúde, educação e proteção a comunidades em situação de risco ou vulnerabilidade. Impossível falar de todas num só texto. Por isso me proponho a abordar nesse texto as políticas destinadas aos povos indígenas, ou povos originários, haja visto que em pleno 2023 estes ainda seguem enfrentando uma série de violências praticadas por grupos que agem ilegalmente nos territórios por eles ocupados.

Foto: Agência Brasil

Segundo um estudo da demógrafa e antropóloga Marta Maria de Azevedo, primeira mulher a presidir a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, as populações originárias tiveram uma redução acentuada desde o descobrimento do Brasil. Estima-se que havia cerca de 3 milhões de indígenas no País em 1500. Número que caiu ano a ano, atingindo o menor número em 1957, quando estimava-se a população em apenas 65.000 indivíduos. A boa notícia é que nos anos 90, quando se pensava que os indígenas viviam um processo de extinção, Marta descobriu que os povos originários da região do rio Negro, no Amazonas, experimentavam plena dinâmica de recuperação populacional. Seus achados coincidiram com descobertas similares em outras áreas do Brasil e funcionaram como ponto de virada à formulação de políticas públicas de saúde e educação para os povos indígenas.

A partir de 1991, o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional. O contingente de brasileiros que se considerava indígena cresceu 150% na década de 90. O ritmo de crescimento foi quase seis vezes maior que o da população em geral. O percentual de indígenas em relação à população total brasileira saltou de 0,2% em 1991 para 0,4% em 2000, totalizando 734 mil pessoas. Houve um aumento anual de 10,8% da população, a maior taxa de crescimento dentre todas as categorias, quando a média total de crescimento foi de 1,6%.

Um dado importante foi o aumento da proporção de indígenas urbanizados. A atual população indígena brasileira, segundo resultados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, é de 817.963 indígenas, dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras. Este censo revelou que em todos os Estados da Federação, inclusive do Distrito Federal, há populações indígenas. A Funai também registra 69 referências de índios ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista.

Nas últimas décadas, diversas políticas públicas contribuíram para isso. Mas sem dúvida, uma das principais delas foi a demarcação de terras indígenas. Isto porque, a garantia da soberania desses territórios é o ponto de partida para o desenvolvimento de uma série de outras políticas e programas de apoio e de desenvolvimento.

Apesar de já ter sido prevista em Constituições anteriores, a demarcação de terras indígenas se tornou efetivamente um direito garantido na Constituição de 1988. Existem atualmente 1296 terras indígenas no Brasil. Este número inclui as terras já demarcadas (401), em alguma das etapas do procedimento demarcatório (306), terras que se enquadram em outras categorias que não a de terra tradicional (65) ou, ainda, terras sem nenhuma providência do Estado para dar início à sua demarcação (530). Pela Constituição de 1988, ficou fixado um prazo de cinco anos para que todas as terras fossem demarcadas, mas o complexo processo de validação das áreas a serem demarcadas, os conflitos e as constantes contestações jurídicas durante o processo atrasaram muito o andamento disso. Há que se dizer, também, que nenhum governo tratou esse assunto com a devida prioridade. O governo Fernando Henrique Cardoso foi quem mais conseguiu avanços, mas com somente 145 homologações, seguido por José Sarney, com 121 e por Luiz Inácio Lula da Silva, com 79.

Foto: Agência Brasil

Foi durante o primeiro governo do presidente Lula que ocorreu uma das mais emblemáticas homologações: a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada ao norte de Roraima entre os municípios de Pacaraima, Normandia e Uiramutã. Mas não foi um processo fácil. A demarcação só ocorreu efetivamente após um julgamento do STF realizado em março de 2009, em função de ação popular que contestava a demarcação contínua dos 1.747.464 hectares da área.

Como mencionei, desde então o que se viu foi uma transformação na vida dos povos que habitam a região. E uma série de outras políticas, programas e projetos foram implantados. Um exemplo foi a criação do Plano de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PGTA). O Projeto Gado, uma das principais estratégias de autossustentação de Raposa nas últimas décadas, e crucial durante o processo de retomadas indígenas, chegou em 2018. Mas o gado não é a única forma de sustento. Uma iniciativa para fortalecer a agricultura familiar indígena é através de um mercado solidário com trocas e vendas de produtos e a realização de feiras regionais e comunitárias ao longo do ano, segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Ainda segundo o CIMI, na saúde indígena Raposa Serra do Sol conta com 214 agentes indígenas de saúde e 143 agentes indígenas de saneamento, além de técnico microscopista, técnico em enfermagem, parteiras e pajés. Iniciativas importantes, como o fortalecimento da medicina tradicional, têm fortalecido as comunidades locais. O mais importante, segundo análise do CIMI, é que a homologação da Raposa Serra do Sol resultou na diminuição visível dos conflitos diretos e indiretos sobre a terra, em Roraima. A tranquilidade que os povos indígenas sentem de não serem atacados em suas próprias casa e roças tem um valor e um efeito incalculável para as crianças, jovens e mulheres.

Com uma líder indígena à frente do Ministério dos Povos Originários e outra à frente da Funai, é grande a expectativa criada em torno do avanço na demarcações de terras indígenas. Nossa torcida também é por isso. Por enquanto, infelizmente, ainda está sendo necessário que o governo tenha pulso firme e use ainda hoje de força policial para evitar que nossos povos indígenas sigam sofrendo violências de grupos que seguem explorando ilegalmente suas terras.

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