Jonathan Pereira
Com Silvio Santos como “pedra no sapato” nas noites de domingo nos anos 90, a Globo precisou voltar no tempo e resgatar o formato de teleteatro, muito popular até a década de 70, para recuperar a audiência roubada pelo “Topa Tudo por Dinheiro”. Assim nasceu o “Sai de Baixo”, que ficou por exatos seis anos no ar (31 de março de 1996 a 31 de março de 2002).
A atração exibida após o “Fantástico” – que naquele tempo terminava 22h – caiu nas graças do público e virou febre entre todas as idades, reunindo a família em frente à TV. O elenco tinha seis atores fixos e participações especiais quase toda semana, com nomes do primeiro time global (principalmente na primeira temporada).
Bordões como “cala a boca, Magda”, “canguru perneta” e “isso é coisa de pobre”, ditos por Caco Antibes (Miguel Falabella) são repetidos até hoje – assim como quem não é de São Paulo pensa logo no Largo do Arouche ao ouvir o nome da cidade.
Era lá o apartamento que morava a família de classe média composta na formação original por Vavá (Luis Gustavo), a irmã Cassandra (Aracy Balabanian), o casal Magda (Marisa Orth) e Caco, a empregada Edileusa (Claudia Jimenez) e o porteiro Ribamar (Tom Cavalcanti). Vários famosos assistiam (e eram filmados) na plateia do teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, onde os episódios eram gravados.
Após o primeiro ano, Claudia deixou o elenco, incomodada com o texto e as piadas com sua personagem. Mas achar uma empregada à altura não foi fácil: a Lucinete de Ilana Kaplan foi rejeitada pelo público e saiu do programa após poucos episódios.
O telespectador acostumou-se a Neide Aparecida (Márcia Cabrita) e mais tarde à Sirene (Claudia Rodrigues), mas Edileusa foi quem deixou mais saudades. Outro que acabou saindo foi Tom Cavalcante, em 1999, para ter um programa que não deu certo nas tardes da Globo, o “Megatom”, e em seguida passar anos na Record com o “Show do Tom”.
Desgaste
O “Sai de Baixo” foi decaindo a partir de 1999/2000, e vários fatores contribuíram. Com a gravidez de Marisa Orth, Magda e Caco tiveram um filho, Caquinho, que primeiro era um boneco com falas e depois cresceu, sendo interpretado por Lucas Hornos. A presença de uma criança acrescentou pouco ao andamento da história e mostrou-se dispensável.
Os roteiristas também tiveram dificuldades de continuar criando situações para uma sala de apartamento e resolveram, em 2000, mudar o cenário para o restaurante Arouche’s Place incluir novas personagens. A troca causou afastamento do público e o apartamento foi retomado.
Além disso, ano após ano o “Sai de Baixo” passou a ir ao ar cada vez mais tarde – de 22h para 22h30, depois 22h50, 23h05, 23h20, 23h30… – por conta do aumento da duração do “Fantástico” e surgimento dos realities “No Limite” e “Big Brother Brasil”. Tornou-se difícil ir dormir tão tarde para ver algo que já não era tão bom, tendo de levantar cedo no dia seguinte.
Embora tenha saído do ar desgastado, com o tempo e as lembranças das primeiras temporadas as pessoas passaram a ter saudades do programa. Um DVD duplo foi lançado em 2003, dois anos depois o Multishow passou alguns episódios e desde 2010 o Canal Viva os reprisa.
Em 2013, o elenco se reuniu para gravar cinco episódios especiais para o Viva, dando a uma geração que não pode estar na plateia na época (caso desde colunista aqui) a chance de assisti-los no teatro.
Nessa volta, Marisa Orth notou diferença no público. “Tudo eles aplaudem”, comentou, quando percebeu que recebia palmas muitas vezes sem nem terminar direito suas falas – o que não acontecia nas décadas anteriores, mas é muito comum atualmente, com o espectador banalizando o aplauso, talvez na tentativa de “fazer parte” ou se mostrar presente nos espetáculos que vai.
Em 2019 também foi lançado um filme com o elenco, trazendo Tom Cavalcante de volta ao time. Mesmo sendo estranho vê-los fora do apartamento, o longa diverte e mata um pouco as saudades que ficaram da atração. Cheio de piadas politicamente incorretas e comuns à época, dificilmente “Sai de Baixo” seria produzido com o mesmo sucesso hoje em dia – um episódio reprisado no domingo à noite em 21 de agosto do ano passado por conta da morte de Claudia Jimenez deu a noção de como o programa, como foi concebido, não “caberia” atualmente. Fica na memória.