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“Olhos de pixel” vence o prêmio Jabuti com uma narrativa cyberpunk com pegada brasileira

Obra lançada exclusivamente como e-book foi consagrada na categoria literatura de entretenimento e faz bonito ao discutir temas brasileiros pelo viés mais pop da ficção científica

Aline Viana

O prêmio Jabuti de literatura brasileira só tem resultados que rompem a barreira do mercado livreiro quando rola alguma polêmica. Bem, não tenho nenhum babado de bastidor para compartilhar, mas se você ainda não reparou, o Jabuti acelerou um pouco a passada e incluiu há coisa de uns dois anos a categoria de romance de entretenimento. 

A literatura, junto com a música instrumental e as artes plásticas contemporâneas, é um daqueles lugares onde é feio ser pop – Paulo Coelho é um belo exemplo de humilhado que hoje está entre os exaltados. 

Então, termos essa categoria no mais tradicional prêmio de literatura já era uma novidade e tanto, mas o prêmio foi além e premiou um autor que lançou sua obra exclusivamente em formato digital. Trata-se de Lucas Mota e seu “Olhos de Pixel” (editora Plutão Livros, R$ 12). A obra ainda foi finalista dos prêmios Argos, Odisseia e Leblanc.

Divulgação

O mercado de livros digitais está cada vez mais robusto. Se em 2020, primeiro ano da pandemia houve um boom com 8,4 milhões de obras vendidas, em 2021 atingiu-se a marca de 9,4 milhões de obras digitais (98% de e-books e 2% de audiobooks). E ainda que sejam dados impressionantes, isso representa apenas 6% do total de livros vendidos no período.

Engana-se quem pense que os autores independentes que produzem livros digitais sejam apenas “fanfiqueiros”. Há de tudo: de livros técnicos a romances hot.

Senhoras e senhores leitores, o livro digital não é um arquivo de texto simples salvo como PDF. E nem é aquela visagem do passado com tela maleável, repleta de links e animações – ainda que os tais links estejam presentes. 

Ele é um arquivo de texto sim, mas com diagramação adaptada às telas dos diversos tipos de aplicativos e dispositivos de leitura.  Também é bom que se diga que os e-books não são um produto exclusivo da loja da Amazon. Eles podem ser adquiridos nos sites das próprias editoras, no Google Books e em outras livrarias virtuais.

Dito tudo isso, voltamos ao livro vencedor de 2022. Em entrevistas recentes, Lucas Mota contou que seu plano inicial era lançar a obra por meio de crowdfunding. Ele já tinha um outro romance que fora bem-sucedido dessa forma, mas ao saber de um edital da editora Plutão Livros, resolveu tentar a sorte e o resto é história.

“Olhos de pixel” é um romance cyberpunk. Ou seja, é uma distopia que, ao mesmo tempo que vê um futuro super tecnológico, com dispositivos que podem melhorar as habilidades físicas e cognitivas do ser humano, também enxerga um cenário ainda mais socialmente desigual e injusto para com os mais pobres e as minorias.

O trio de protagonistas é composto por personagens queer que são ases da tecnologia rebeldes, que atuam no submundo de Curitiba, chamados roots. Eles são liderados por Nina Santelles, uma jovem que tem um filho adolescente criado pelos avós.

A missão é simples. Prender o root Kalango, famoso por suas habilidades excepcionais, por ter roubado um item da Santa Igreja e entregá-lo à polícia. O prêmio são passagens para Chang’e, uma nação onde os roots poderão recomeçar a vida e reintegrar-se à sociedade. Quatro passagens estão em jogo, sendo uma delas de Paulo, o filho que Nina quer reconquistar.

É bom esclarecer que a polícia nesse futuro atua de forma privatizada e, portanto, evita ao máximo as investigações que possam culminar com a prisão de algum cliente – pois, obviamente, dificultaria fechar novos contratos. Esta é, por exemplo, a discussão principal de uma obra clássica do cyberpunk, o filme “Robocop” (EUA, 1987, direção de Paul Verhoven).

“Se ninguém resistir à tirania, ela vai achar que pode existir. E não pode”

Não bastasse tudo isso, esse futuro inglório ainda tem um clone de Jesus recriado por engenharia genética. O salvador foi desenvolvido exclusivamente para ser uma marionete nas mãos do que seria uma igreja neopentecostal turbinada por dinheiro e sede de poder.

Para quem curte uma referência da alta literatura, a saga desse Jesus evoca o que o grande autor russo Fiódor Dostoievski (1821-1881) denuncia no capítulo “O grande inquisidor” do romance “Os irmãos Karamazov”, onde é narrada uma suposta aparição de Jesus na Espanha do século 16. O inquisidor ao saber da visita ilustre (alerta de spoiler), trata logo de prender o Cristo e o acusa de ser o responsável por todos os males do mundo.

“O conservadorismo reinava no país do futebol e do glória-a-Deus. A brutalidade contra os criminosos não era só apoiada pela população, mas também desejada”. 

Como diriam os jovens, “Olhos de pixel” é o mais “puro suco” de Brasil embalado em sequências de ação vertiginosas. Se você curtiu obras como “Mad Max – Estrada da Fúria” (EUA, 2015, direção de George Miller) e as duas versões de Blade Runner (EUA, 1982, direção de Ridley Scott; e EUA, 2017, direção de Dennis Villeneuve), você já sabe qual deve ser sua próxima leitura. 

“Olhos de Pixel”

Editora Plutão Livros

260 páginas

Preço: R$ 12

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