Culturize-se falou com ONGs que atuam na promoção de cultura em comunidades carentes e destaca os ótimos exemplos que encontrou na Zona Norte de São Paulo
Por Stella Teixeira
Diversas comunidades possuem poucos espaços destinados à promoção e apresentações artísticas de grandes artistas renomados. O que podemos notar é a criação de diversas entidades e coletivos que promovem a arte, e consequentemente a cultura nas comunidades, em praças, espaços pequenos, ou até mesmo nas casas dos seus idealizadores.
O Canto do Pé da Árvore, que não conta com nenhuma verba provinda de parceiras com o poder público, tem como premissa contar histórias para crianças, adultos e idosos para familiarizar a cultura popular e acabar com os preconceitos que existem na sociedade sobre nossas histórias e raízes, além de incentivar as crianças a crescerem brincando sem o uso da tecnologia.
Em entrevista com a idealizadora do projeto, Jéssica Rufino, ela nos contou sobre o objetivo do projeto “espero que ao contar histórias, possamos acender no coração dos ouvintes, a curiosidade de saber sobre seus ancestrais, costumes familiares, dança, cantigas e o interesse em saber tocar tal instrumento, tendo orgulho em brincar com nossa cultura popular”.
Localizado na zona norte de São Paulo, o Canto do Pé da Árvore, não tem ponto fixo para realizar as sessões, de forma itinerante, os integrantes vão para comunidades contas as histórias. “O Canto no Pé da Árvore é itinerante, se for necessário ir para sul ou leste, levaremos nossa bagagem. Apesar de 99% dos integrantes morarem na Zona Norte, nos deslocamos às demais regiões, mas o nosso coração é Zona Norte. Nosso público em especial são as crianças, porém os adultos se divertem”, comenta a idealizadora.
Quando pensamos em transformação de vidas, não podemos nos limitar apenas aos atendidos, pois a vida de quem produz essa cultura também muda, assim como a vida da criança muda ao ouvir as histórias, a vida do bibliófilo também é atingida e passa por um processo de transformação: “O fato de poder sonhar. De persistir nas mudanças sociais, e como arte de contar histórias pode transformar pessoas”, afirma a Jéssica.
Diversas histórias são lembradas com muito carinho e atenção, afinal, você poder se dedicar à leitura para crianças e ser surpreendido (a) com situações inesperadas, e sem dúvidas, nada melhor para o coletivo do que ver as crianças contando as histórias que acabaram de ouvir para a sua família. “Cada experiência é marcante, a melhor sensação para o coletivo e a mim mesma é poder andar pelo nosso território e crianças apontarem para mãe, falando sobre tal história”.
Projetos que encantam
Quando levantamos outros coletivos nas comunidades carentes, encontramos grandes projetos que contribuem para o crescimento, e fomento da cultura na periferia; é o que nos conta, o idealizador da ONG Casa no Meio do Mundo, Jesus, sobre a idealização de uma ONG que só foi oficializada agora em 2022, mas já existe desde 2014 irregularmente e já conta com verbas fornecidas graças as aprovações em editais que o município e o estado fomentam.
Com a premissa de promover e produzir cultura no bairro da Jardim Brasil, Zona Norte de São Paulo, o coletivo era dentro da sua própria casa, promovendo sarau, grupo de Hip Hop etc: “comecei a abrir o lugar para virar o centro cultural e aí, pô, o bagulho foi uns cinco meses. Vários grupos de rap sendo formados, oficinas de cinema, sarau e aí, é óbvio, né, (sic) que a proprietária me chamou de doido”.
A Casa no Meio do Mundo, promove festivais de arte e cultura, feiras literárias, atividades em parceria com a escola e a biblioteca do bairro: “A gente acabou de realizar esse ano uma oficina, de oito meses de produção cultural de produção artística. Então a gente tem uma produção cultural, e uma ação cultural no território, modéstia à parte, bem efetiva”. Uma das grandes realizações do projeto é ver como a partir da ONG, surgiram diversos coletivos que surgiram a partir das oficinas oferecidas nas comunidades.
Além de promover a cultura em toda região, Jesus comenta sobre o uso das praças nos bairros vizinhos para os coletivos produzirem a cultura local, como afirma um estudo promovido pela subprefeitura Vila Maria sobre o uso de espaços públicos para cultura, esporte e lazer de modo geral: “noventa e cinco por cento das pessoas usam as praças públicas, por exemplo, como espaços de lazer, entretenimento, prática de esportes; há ali uma troca cultural, os coletivos aqui da nossa região fazem muitas atividades nas praças públicas, aqui no Parque Novo Mundo, e têm grupos de teatro da Vila Guilherme que usam as praças como palcos”.
O espaço Fábrica de Cultura, que é um programa do governo de São Paulo, sendo uma Política Pública da Secretaria de Cultura e Economia Criativa possui oito unidades dentro de diversas comunidades espalhas pela grande São Paulo (Jaçanã, Capão Redondo, Brasilândia, Diadema, Iguape, Jardim São Luís, Osasco e Vila Nova Cachoeirinha), que contempla cursos para comunidade de teatro, música, dança, artesanato, arte visuais, circo, literatura, sarau, capoeira, leitura e escrita criativa, multimeios, jogos, tecnologia, entre outras áreas que englobam o universo cultural. Tudo isso gratuitamente, e com acesso ilimitado aos que desejam iniciar neste universo, mas que também optam por colocar seus filhos em cursos durante a semana. Os locais escolhidos para construção das Fábricas nas comunidades são baseados pelo índice de vulnerabilidade de jovens e adolescentes com níveis consideráveis.
A Fábrica de Cultura Jaçanã fechou o último semestre com 2 mil atendidos, sendo em participação de shows, espetáculos, contação de histórias etc. Grace Miranda, Gerente responsável pela unidade, coordena 60 funcionários que atendem a comunidade com diversas atividades culturais. “A cultura já existe e é efervescente nas comunidades. O Programa Fábricas de Cultura, tem como suas ações principais a difusão e formação cultural, permitindo um novo olhar sobre as produções artísticas e culturais locais, que respeita e fortalece o fazer cultural, a memória e a identidade de cada pessoa que vive e convive nas comunidades” afirma a gerente.
Uma ação muito importante produzida nos espaços são os estúdios de gravação disponíveis para os músicos gravarem seus álbuns de música. Gratuitamente e acessível a todos, os artistas podem usufruir pelo período de 4 horas dos espaços. O mais bacana, é que a própria Fábrica disponibiliza os técnicos de som que estão ali para contribuir na mixagem e no processo de gravação, e ao final são entregues os conteúdos prontos para postar nos mais diversos canais de streaming.
Tudo isso nas comunidades como afirma Grace. “Além das linguagens artísticas de formação cultural, os ateliês e trilhas, o espaço possui um estúdio de gravação, onde músicos podem se inscrever, gravar e sair com suas faixas prontas, mixadas. Um acervo da biblioteca com mais de 6.000 títulos, inclusive com lançamentos. As pessoas podem efetivar um cadastro para uso da internet gratuita e empréstimo de livros. A novidade também é a arvore de livros e seu acervo digital, shows gratuitos, espetáculos de teatro e sessões de cinema; tudo isso reunido no mesmo espaço”.
Mas nem só de arte o ambiente vive, pois, a tecnologia também está presente com seus drones, realidade aumentada, impressora 3D e outros equipamentos de softwares que potencializam a economia criativa através das atividades fornecidas. Levar a cultura é o principal objetivo da Fábrica de Cultura, que além de fornecer os cursos e trilhas, apresenta shows musicais e espetáculos teatrais que ostentam grande aderência do público: “Em 2022 o show com as cantoras Tasha e Tracie, atraiu quase 5.000 pessoas”.
Cada iniciativa pode tornar a vida dos atendidos diferente, e assim mudar a perspectiva sobre a arte e cultura que eles possuem, bem como aumentar a diversidade cultural do entorno. “Perceber que uma criança entra em uma atividade de cordas, por exemplo, sem ter qualquer contato prévio com o instrumento e ao longo do processo artístico se desenvolve, toca e se apropria da linguagem, é gratificante. Saber que os pais dessa criança e jovem passam a ter outro olhar de valorização cultural é ainda mais gratificante”.
A Associação Mutirão, ONG que exerce atividades socioassistenciais há 62 anos na comunidade do Jardim Filhos da terra, Zona Norte de São Paulo, usufrui da parceria que tem com a Fábrica de Cultura Jaçanã para levar os atendidos em oficinas, peças de teatro, cinema, shows, ou em festas temáticas que são organizadas. Essa parceria é de suma importância pois estimula o interesse pela arte nos jovens que no futuro podem seguir essa frente como profissão.
Por meio de concessões, a Fábrica fornece o espaço para promoção cultural dos artistas independentes do entorno para apresentações culturais com todo aparato sonoro incluso. “A Fábrica oferece seu espaço físico, além do agendamento para suas apresentações, contando com toda a estrutura sonora e cênica, garantindo a qualidade dos espetáculos ou apresentações”, finaliza Grace.