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“Call Jane” flagra mudança de percepção sobre aborto

Filme de Phyllis Nagy foca em grupo de mulheres que ajuda outras mulheres a conseguirem abortar clandestinamente nos EUA da década de 60. Longa foi destaque em festivais ao longo de 2022

Por Reinaldo Glioche

O cinema contemporâneo tem sido muito feliz na abordagem que faz de um tema sempre espinhoso e envolto em paixões, que é o aborto. Recentemente vimos os ótimos “Nunca, Raramente, às Vezes, Sempre” e “O Acontecimento”, este último vencedor do Leão de Ouro em Veneza, em 2021. Neste ano, o indie americano “Call Jane”, ainda sem título nacional, ganhou destaque desde muito cedo pela participação competitiva nos festivais de Sundance e Berlim.

Dirigido por Phyllis Nagy, que antes dessa estreia na direção de um longa para cinema já havia coescrito “Carol” (2015), o filme tem o mérito de testemunhar a transição de um olhar conservador sobre o tema em um mais humano e progressista. O longa baseia-se na história real de um grupo de mulheres que se organizava clandestinamente sob a alcunha de Jane para ajudar outras que necessitassem abortar.

Ambientado no fim dos anos 60, um pouco antes da legalização do aborto pela Suprema Corte dos EUA, o filme foca no papel providencial desse grupo para que o pleito de muitas mulheres pelo direito decisório sobre o próprio corpo ganhasse relevância política, jurídica e institucional.

Nesse escopo, Nagy e as roteiristas Harley Schore e Roshan Sethi optam por observar a transformação de Joy (Elizabeth Banks), uma mulher religiosa, quase carola, casada com um advogado que, nas palavras dele, “faz tudo certinho”. Ocorre que ela engravida e essa segunda gravidez é de risco e pode resultar em sua morte. Nem assim, os hospitais a que recorre topam realizar o procedimento.

É dessa maneira que ela entra na rota de Jane, o grupo chefiado por Virginia, vivida com habilidade invejável por Sigourney Weaver. A audiência ganha a chance de observar a transformação que essa experiência ensejará em Joy. Da apreensão e preconceitos, ao engajamento e solidariedade.

O longa começa com o arreio de uma produção para a TV, mas as atrizes, e algumas são amadoras, seguram as pontas e ajudam a produção a ganhar tração. Rodado em apenas 21 dias entre maio e junho de 2021, “Call Jane” não ostenta a força de “Nunca, Raramente, às Vezes, Sempre” ou a pretensão de “O Acontecimento”, mas se irmana a eles em sua ponderação doída sobre a lentidão com que caminhamos contra a insensatez.

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