No capitalismo selvagem, essa máxima também impera. A exploração da força de trabalho iniciada no período da Revolução Industrial, lá no século XVIII, deu início a esse conceito onde o mais forte se impõe sobre o mais fraco, que segue as regras impostas para sobreviver.
Antes disso, porém, as estruturas de poder já deixavam claro que dominava a selva, e quem era a presa. Desde o feudalismo, que começou no século V, mandava que podia, obedecia quem tinha juízo.
As estruturas de poder que organizam, segregam e movem o mundo pouco mudaram em todos esses séculos. Sai o arado, entram as máquinas.
Por definição, as Big Techs são as grandes corporações de tecnologia que dominam o mercado. Apesar dos principais nomes estarem no Vale do Silício, nos EUA, figuram também algumas empresas chinesas, como Tencent e Baidu.
As que mais se destacam no cenário atual, porém, ganharam a sigla em inglês FAANGS que, curiosamente, se traduz para presa. As seis predadoras, com seus dentes afiados, dominam o mercado da comunicação e lideram os alertas que os especialistas apontam como características para o tecnofeudalismo.
1984 chegou e passou, e não vimos uma realidade similar a retratada por George Orwell, mas estamos nessa direção. Nossas casas contam com dispositivos que ouvem o que falamos e veem o que fazemos. Nossos computadores sabem os produtos que procuramos e nossos celulares escutam nossas conversas.
Mais do que isso, dados e informações utilizadas na internet são apropriados, com a justificativa de criar experiências personalizadas para os usuários, e pronto, com um clique, aceitamos o uso de nossas informações ao preencher um formulário, nos inscrever em um portal, ou fazer uma compra.
O uso indiscriminado dessas informações tem potencial para alterar as estruturas de poder, moldar as decisões dos indivíduos e influenciar a economia e a política. Em 2018, o Facebook foi acusado de vazar os dados de 87 milhões de pessoas para a consultoria política Cambridge Analytica, que usou essas informações em favor da campanha do então candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, dois anos antes.
Com isso, destaca-se a vertente do “Capitalismo de Vigilância”, popularizada pela psicóloga social e ex-professora da Universidade de Harvard, Shoshana Zuboff. Segundo ela, é uma nova forma de acumulação material, utilizando a “realidade” como produto de compra e venda. Para Zuboff, foi o Google que começou a aplicar esse conceito, seguido pelo Facebook.
Por que, então, caímos nessa fábula e consumimos exatamente o que nos é oferecido? Como presas, dificilmente notamos quando os predadores estão nos observando e, se notamos, pode ser tarde demais.
O conceito não é novo, e somos influenciados pela propaganda o tempo todo. A diferença é que as gigantes da tecnologia têm tantas informações sobre nós, que podem descobrir, e explorar, nossas maiores fragilidades.
Mais do que convencer os indivíduos a comprar um produto ou visitar uma loja, esse acúmulo de informação permite influenciar opiniões. Redes sociais como o Facebook e o Twitter se transformam em plataformas de propagação de teorias conspiratórias e as já tão comentadas Fake News.
De acordo com a teoria de Durand, o que faz do momento atual um novo feudalismo, ou “tecnofeudalismo”, é a relação de dependência criada com essas plataformas digitais. Para ele, isso gera uma relação predatória, justamente por seguir oferecendo recursos que se tornam indispensáveis, tornando impossível quebrar esse ciclo.
“Quanto mais serviços indispensáveis oferecem, mais se acentua a dependência. Esta situação é muito importante porque mata a ideia de competição. Esta dominação prende os indivíduos a este transplante digital. Tal tipo de relação de dependência tem uma consequência: a estratégia das plataformas que controlam esses territórios digitais é uma estratégia de desenvolvimento econômico por meio da predação, por meio da conquista” – Cédric Durand
O resultado final é uma população rendida, econômica e socialmente. De fora, parece livre para consumir o que quiser, mas é altamente influenciada pelo que essas empresas querem oferecer – seja um produto ou uma opção política.
A relação do Facebook com a campanha de Trump é só um exemplo de como a falta de controle sobre essas empresas leva a resultados, bem, descontrolados.
Elon Musk assumiu o Twitter no final de 2022 prometendo, entre outras coisas, liberdade de expressão. Mas, na prática, o efeito parece perturbador: em apenas um mês sob seu comando, discursos de ódio com conteúdo racista, homofóbico e antissemita cresceram na plataforma, segundo uma pesquisa divulgada pelo New York Times.
Desde que assumiu a companhia, Musk já demitiu mais da metade dos funcionários, incluindo a maior parte da equipe brasileira da companhia.
CRÉDITOS
Elon Musk: Reprodução/The Royal Society
Blade Runner: Reprodução
Jetsons: Reprodução
Vigilância: Reprodução
Zuckerberg: Reprodução/Meta
ChatGPT: Reprodução/chatGPT
FONTES
Facebook depoimento Mark: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/mark-zuckerberg-depoe-ao-senado-sobre-uso-de-dados-pelo-facebook.ghtml
Morozov discorda Cedric: https://twitter.com/evgenymorozov/status/1514519833223835648
Shoshana Zuboff: https://www.wired.com/beyond-the-beyond/2016/03/shoshanna-zuboff-condemning-google-surveillance-capitalism
Aspas Cédric Durand: https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-hipotese-do-tecnofeudalismo/
Discurso de ódio NYT: https://www.nytimes.com/2022/12/02/technology/twitter-hate-speech.html
Twitter demite mais da metade dos funcionários: https://www.nytimes.com/2023/02/26/technology/twitter-layoffs.html
Demissão Brasil twitter: https://www.poder360.com.br/tecnologia/musk-demite-quase-toda-equipe-do-twitter-brasil-diz-jornal/
Corrida espacial: https://analyticsindiamag.com/big-tech-loves-space-but-not-enough/
Ética em ICC: https://news.ncsu.edu/2020/11/brain-computer-interface-ethics/